Temas para uma redação: O mau cheiro dos rios, o lixo na praia e o capim rodoviário
Marinês Eiterer [*] & Felipe A. P. L. Costa [**].
RESUMO. – Contrariando o senso comum, capinas e outras intervenções realizadas de modo periódico e indiscriminado em áreas de vegetação herbácea (e.g., margens de rodovias ou lotes urbanos) são um desserviço. Na prática, essas intervenções apenas asseguram que a vegetação arbórea não irá se estabelecer no local.
*
1. MANCHETES RECORRENTES.
Entra ano, sai ano e as mesmas manchetes reaparecem na imprensa: ‘Moradores reclamam do mau cheiro do córrego que corta o bairro’, ‘Associação de moradores reivindica canalização de córrego’ e ‘Mato prospera em terreno baldio e surto de escorpiões assusta moradores’ – e assim por diante.
Termos como mau cheiro, canalização, mato e surto são recorrentes. Não há porque duvidar que essas coisas de fato preocupem ou atormentem a vida de muita gente. O que não significa dizer, porém, que as providências que eventualmente são adotadas (e.g., canalizar o córrego ou cortar o mato) sejam de fato soluções efetivas e duradouras. Pois não são.
Talvez fosse o caso de a gente parar e refletir um pouco: Afinal, qual é a origem desses problemas?
2. RIOS URBANOS: CONTAMINAÇÃO E MAU CHEIRO.
Muitas cidades brasileiras são uma versão contemporânea de aglomerados humanos que surgiram e prosperaram às margens de um corpo d’água, na maioria das vezes um rio. Não é um capricho nem fruto de um acidente.
Viver à beira de um rio foi uma escolha de nossos ancestrais. Há bons motivos para que eles tenham feito essa escolha. Em primeiro lugar, atende a algumas de nossas demandas mais fundamentais (e.g., acesso fácil a uma fonte de água). Em certos casos, também facilitava o transporte e o contato com aldeias ou cidades vizinhas. De resto, morar nas proximidades de um rio já foi tido como sinal de fartura e prosperidade.
Hoje em dia, no entanto, muitas cidades têm vergonha de seus rios, preferindo escondê-los. A razão para isso é quase sempre a mesma: transformamos esses corpos d’água em escoadouros de dejetos, restos e lixo em geral. O mau uso os converteu em esgotos a céu aberto. Foi assim no rio Tietê (São Paulo), no Capibaribe (Recife) e no Paraibuna (Juiz de Fora). Os rios que atravessam as cidades brasileiras se caracterizam hoje, quase sem exceção, pela água contaminada e pelo mau cheiro [1].
3. POR QUE REJEITAMOS SOLUÇÕES SIMPLES E BARATAS?
Com ou sem o peso da legislação, fato é que políticos, urbanistas e empresários da construção civil estão sempre a falar em grandes obras, incluindo, claro, a construção de estações de tratamento de esgoto. Infelizmente, porém, essas estações (a depender do tamanho) não são baratas. Muitas prefeituras simplesmente não têm como arcar sozinhas com os custos. O que não significa dizer que as prefeituras deveriam permanecer de braços cruzados. (Pois é exatamente assim que muitas delas estão.)
Veja: Há alternativas simples, efetivas e menos custosas, algumas das quais poderiam ser adotadas quase que imediatamente. Outras poderiam ser iniciadas agora, sinalizando e apontando para uma mudança de rumo. Por si só isso tem um impacto profundo na sociedade.
3.1. Estimular o tratamento local de esgoto.
No caso do esgotamento sanitário, por exemplo, uma alternativa (definitiva?) envolveria a captação e tratamento de esgoto na própria unidade domiciliar, procedimento cuja adoção poderia ser estimulada pelas prefeituras – e.g., promovendo a redução ou mesmo a suspensão de certos impostos para quem tratasse o seu próprio esgoto. (Algo mais ou menos parecido já se faz hoje com a captação de energia solar.)
Com isso, poderíamos entrar em um círculo virtuoso: zerar ou ao menos baixar a emissão de esgoto doméstico, favorecendo a restauração da vida aquática. O retorno da vida aquática e o restabelecimento de uma dinâmica ecológica local em pouco tempo levariam ao embelezamento da paisagem urbana. Áreas urbanas que hoje estão desvalorizadas ou em franca decadência poderiam ser revigoradas.
Em um cenário de recuperação seria possível, entre outras coisas, corrigir antigas e absurdas barbeiragens da nossa engenharia, como a canalização de córregos. (A reversão da canalização [ou descanalização] é uma iniciativa relativamente antiga – e muito bem-sucedida – em várias cidades da Europa. Com o acelerado agravamento da crise climática, aliás, as cidades brasileiras que mais sofrem com enchentes periódicas já deveriam estar trabalhando...)
4. ESCONDER O LIXO É UMA SOLUÇÃO?
Outro problema recorrente e bastante comum entre nós envolve o descarte de lixo em cursos d’água ou mesmo na praia [2], procedimentos que muitas vezes refletem a desinformação ou apenas o estado de espírito dos moradores. (350 anos de escravização deixaram muitas marcas na sociedade brasileira, incluindo a miopia e o desmazelo que tanto caracterizam a nossa elite econômica.)
Despejar o lixo doméstico a céu aberto equivale a dar um tiro no próprio pé. Para começo de conversa, cabe observar que parcela expressiva do lixo doméstico produzido nas cidades é constituída de refugos orgânicos. (É uma vergonha, mas é o temos no cardápio de hoje.) Para quem não se lembra das aulas de ecologia no ensino médio, não custa lembrar: Todo esse material orgânico serve de alimento e sustenta uma ampla e variada rede de consumidores urbanos, alguns dos quais dificilmente são bem-vindos na casa de alguém (e.g., moscas, baratas e ratos). Por sua vez, esses consumidores que se alimentam diretamente do material orgânico que nós descartamos, servem de alimento para animais de níveis tróficos superiores, como é o caso de escorpiões e serpentes, dois grupos de predadores carnívoros que se alimentam de baratas (os primeiros) e ratos (os últimos), ainda que a dieta deles inclua outros itens [3].
Vale a pena insistir: escorpiões e serpentes não aparecem em terrenos baldios por causa do lixo ou do ‘mato’ que ali prospera. Não. Eles estão ali por causa da presença de outros animais, muito mais numerosos e oportunistas: as suas presas. Estas, por sua vez, chegaram lá antes dos seus inimigos naturais. Foram atraídas e permanecem ou visitam o local com frequência por conta das refeições grátis que lhes são oferecidas quase que diariamente pelos humanos que moram nas proximidades.
Esse círculo vicioso, a depender do nosso comportamento, prospera até mesmo em bairros que são regularmente atendidos pelo serviço de coleta de lixo. Não jogar lixo a céu aberto, portanto, deveria ser uma regra de ouro para quem vive em aglomerados urbanos e não quer continuar alimentando presas (baratas e ratos) e predadores (escorpiões e serpentes) com os quais não gostaria de manter contato.
É simples assim: ofereceu comida, a visita virá; se não ofereceu, a visita talvez não venha.
5. CAPIM RODOVIÁRIO NUNCA MAIS.
O mato – leia-se: vegetação herbácea que prospera espontaneamente em áreas degradadas, terrenos baldios, margens de estradas etc. – pouco ou nada tem a ver com o problema.
Mais especificamente, cabe atentar para o seguinte: a vegetação que habitualmente coloniza e cresce em terrenos desocupados é formada de gramíneas e outras plantas pioneiras de crescimento rápido. Essas plantas prosperam em hábitats abertos, expostos à insolação direta.
Ora, como as margens dos rios costumam ser foiçadas ou capinadas todos os anos, as plantas pioneiras – cuja força está armazenada na raiz subterrânea – sempre terão à sua disposição um terreno que poderão ocupar e crescer livremente, sem vizinhos, sem maiores dificuldades. Assim é que a prática de capinar às cegas a vegetação herbácea exemplifica bem o significado da expressão dar um tiro no próprio pé. Veja o caso do capim rodoviário.
5.1. O capim rodoviário.
Entra ano, sai ano e as autoridades municipais seguem a ocupar funcionários e a desperdiçar recursos públicos com os serviços de capina. O governo federal e os governos estaduais incorrem no mesmo erro (em escala bem mais grave) quando promovem esse mesmo tipo de serviço ao longo de rodovias federais e estaduais.
Há alternativas melhores. A melhor delas talvez seja a seguinte: permitir que a sucessão ecológica prossiga espontaneamente o seu curso ao longo das margens. Como? É relativamente simples: evitando a capina às cegas – i.e., evitando o corte indiscriminado de arbustos ou árvores jovens que estejam a crescer em meio ao capinzal que acompanha as rodovias.
Ao contrário de gramíneas e outras plantas de crescimento rápido, árvores e arbustos alocam proporcionalmente muito mais recursos na manutenção das partes aéreas dos seus corpos (incluindo aí custosos sistemas de defesa, reparo e armazenagem). No fim das contas, é por isso que elas crescem tão mais devagar. (Plantas herbáceas, pouco ou nada investem em sistemas de defesa ou reparo, razão pela qual, aliás, nós podemos comer algumas delas cruas. A maior parte dos recursos é prontamente alocada em crescimento, embora o percentual alocado e a presteza da alocação sejam variáveis que a planta modula de acordo com as circunstâncias.)
O maior inconveniente da proposta aqui defendida é que o corte seletivo exige alguma atenção. Afinal, não dá para simplesmente passar a tesoura sem olhar. Por isso mesmo, o procedimento tendem a ser mais demorado. Mas isso apenas nos dois ou três primeiros anos. Depois disso, as diferenças se tornarão evidentes – em menos de dois anos, por exemplo, certas espécies de arbustos já terão alcançado mais de 2 m de altura.
Dois ou três anos depois de iniciado o corte seletivo, o círculo vicioso de outrora começará a ser substituído por um círculo virtuoso: à medida que arbustos e árvores conseguem se estabelecer e prosperar, a vegetação pioneira perde força. Como as plantas herbáceas (gramíneas etc.) em geral são intolerantes ao sombreamento, à medida que a vegetação arbórea ganha altura, gramíneas e afins irão rareando e, por fim, desaparecerão do local. (Assim como as saúvas, aliás.)
No contexto desse círculo virtuoso, portanto, trocaríamos um denso e permanente capinzal por fileiras de arbustos e árvores em crescimento a margear rodovias, rios etc. O atual serviço de capina poderá então ser substituído por um programa de manejo de uma paisagem que passaria a contar então com fileiras ou faixas (mais ou menos largas) de vegetação arbórea.
6. CODA.
De resto, nesta semana de volta às aulas, ficam aqui três sugestões de temas para uma redação escolar: “O mau cheiro do rio – Por que o rio da nossa cidade fede tanto?”, “O lixo na praia – Por que há tanto lixo jogado ou misturado na areia da praia?” e “O capim rodoviário – Quem cuida da vegetação que prospera ao longo das rodovias?”.
NOTAS.
[*] Marinês Eiterer (1965-2023). Versão anterior deste artigo, intitulada ‘Vamos deixar o mato crescer!’, foi publicada no informativo eletrônico La Insignia, em 3/6/2007. Para outros artigos da autora publicados neste GGN, ver Por trás da beleza dos fogos de artifício (2017), Ornitologia para crianças: Tucanos e araçaris (2021) e Néctar: água, açúcar e mais algum tempero (2023).
[**] Sobre a campanha Pacotes Mistos Completos (por meio da qual é possível adquirir, sem despesas postais, os livros do segundo autor), ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para adquirir algum volume específico ou para mais informações, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos ou obter amostras de livros do segundo autor, ver aqui.
[1] 25 anos atrás, como uma tentativa de frear e contornar toda essa degradação, foi sancionada a chamada Lei das Águas (Lei no. 9.433, de 8/1/1997). A lei surgiu com o propósito de, entre outras coisas, estabelecer um prazo para que os municípios brasileiros enfrentassem e, quem sabe, iniciassem um programa sério visando reverter a degradação dos rios e, em última instância, a ameaça que ainda hoje paira sobre a integridade dos corpos de água doce usados para abastecimento urbano.
[2] Em certas cidades litorâneas, a administração municipal tem o curioso costume de arrumar a areia da praia, ao menos aquela que fica acima do limite da maré alta. Alguns porcossauros que moram nesses balneários adotaram o vergonhoso hábito de descartar sacos de lixo na areia da praia. Eles fazem isso em dias em que não há coleta. Consegue adivinhar o que acontece em seguida? Pois bem, a máquina da prefeitura vem, ignora a presença desses sacos (passa por cima ou encobre com areia) e o problema some. Mágica! O segundo autor aprendeu sobre isso em 2014, participando de um evento acadêmico em São Vicente (SP). Ao esconder o lixo na areia da praia, as autoridades municipais engambelam alguns turistas, dão um péssimo exemplo aos municípios mais jovens e, o pior de tudo, desrespeitam os próprios moradores da cidade. Em tempo: Não estou aqui me referindo apenas e tão somente aos governantes de São Vicente, se é que a prática por lá ainda perdura. Conheço relatos semelhantes envolvendo outras cidades. O caso de São Vicente me assustou apenas por que a cidade tinha ou tem pretensões de ser rotulada como turística. (Cidades turísticas brasileiras parecem condenadas a um entrechoque permanente envolvendo Locais e Visitantes. Cobrar preços extorsivos é uma das armas favoritas usadas pelos Locais. Jogar lixo na rua é um contra-ataque silencioso muito usado pelos Visitantes.)
[3] Os autores moraram na zona rural. O segundo autor ainda mora e segue a conviver com esses personagens. (Além, claro, de alguns outros que nem sempre são bem-vindos na casa de muita gente – para detalhes, ver o artigo No país da zoofobia.) Cabe aqui, no entanto, um registro importante: As espécies que vivem na zona rural não são as mesmas encontradas na zona urbana. Um exemplo notório é que não há ratazanas-de-esgoto na zona rural (Rattus norvegicus, uma espécie introduzida). Além de diferenças na composição e na diversidade das faunas, o tamanho das populações também costuma diferir bastante. Na zona rural, por exemplo, não há uma supremacia numérica tão exagerada de apenas uma ou outra espécie de barata ou de roedor. Razão pela qual a dieta dos predadores que se alimentam dessas presas também é outra. Assim, na ausência das suculentas baratas urbanas (e.g., Periplaneta americana, outra espécie introduzida), os escorpiões da zona rural seguem a dieta tradicional dos seus ancestrais, incluindo grilos e outros frequentadores da ruidosa e agitada vida noturna no campo.
Outro problema recorrente e bastante comum entre nós envolve o descarte de lixo em cursos d’água ou mesmo na praia [2], procedimentos que muitas vezes refletem a desinformação ou apenas o estado de espírito dos moradores. (350 anos de escravização deixaram muitas marcas na sociedade brasileira, incluindo a miopia e o desmazelo que tanto caracterizam a nossa elite econômica.)
Despejar o lixo doméstico a céu aberto equivale a dar um tiro no próprio pé. Para começo de conversa, cabe observar que parcela expressiva do lixo doméstico produzido nas cidades é constituída de refugos orgânicos. (É uma vergonha, mas é o temos no cardápio de hoje.) Para quem não se lembra das aulas de ecologia no ensino médio, não custa lembrar: Todo esse material orgânico serve de alimento e sustenta uma ampla e variada rede de consumidores urbanos, alguns dos quais dificilmente são bem-vindos na casa de alguém (e.g., moscas, baratas e ratos). Por sua vez, esses consumidores que se alimentam diretamente do material orgânico que nós descartamos, servem de alimento para animais de níveis tróficos superiores, como é o caso de escorpiões e serpentes, dois grupos de predadores carnívoros que se alimentam de baratas (os primeiros) e ratos (os últimos), ainda que a dieta deles inclua outros itens [3].
Vale a pena insistir: escorpiões e serpentes não aparecem em terrenos baldios por causa do lixo ou do ‘mato’ que ali prospera. Não. Eles estão ali por causa da presença de outros animais, muito mais numerosos e oportunistas: as suas presas. Estas, por sua vez, chegaram lá antes dos seus inimigos naturais. Foram atraídas e permanecem ou visitam o local com frequência por conta das refeições grátis que lhes são oferecidas quase que diariamente pelos humanos que moram nas proximidades.
Esse círculo vicioso, a depender do nosso comportamento, prospera até mesmo em bairros que são regularmente atendidos pelo serviço de coleta de lixo. Não jogar lixo a céu aberto, portanto, deveria ser uma regra de ouro para quem vive em aglomerados urbanos e não quer continuar alimentando presas (baratas e ratos) e predadores (escorpiões e serpentes) com os quais não gostaria de manter contato.
É simples assim: ofereceu comida, a visita virá; se não ofereceu, a visita talvez não venha.
5. CAPIM RODOVIÁRIO NUNCA MAIS.
O mato – leia-se: vegetação herbácea que prospera espontaneamente em áreas degradadas, terrenos baldios, margens de estradas etc. – pouco ou nada tem a ver com o problema.
Mais especificamente, cabe atentar para o seguinte: a vegetação que habitualmente coloniza e cresce em terrenos desocupados é formada de gramíneas e outras plantas pioneiras de crescimento rápido. Essas plantas prosperam em hábitats abertos, expostos à insolação direta.
Ora, como as margens dos rios costumam ser foiçadas ou capinadas todos os anos, as plantas pioneiras – cuja força está armazenada na raiz subterrânea – sempre terão à sua disposição um terreno que poderão ocupar e crescer livremente, sem vizinhos, sem maiores dificuldades. Assim é que a prática de capinar às cegas a vegetação herbácea exemplifica bem o significado da expressão dar um tiro no próprio pé. Veja o caso do capim rodoviário.
5.1. O capim rodoviário.
Entra ano, sai ano e as autoridades municipais seguem a ocupar funcionários e a desperdiçar recursos públicos com os serviços de capina. O governo federal e os governos estaduais incorrem no mesmo erro (em escala bem mais grave) quando promovem esse mesmo tipo de serviço ao longo de rodovias federais e estaduais.
Há alternativas melhores. A melhor delas talvez seja a seguinte: permitir que a sucessão ecológica prossiga espontaneamente o seu curso ao longo das margens. Como? É relativamente simples: evitando a capina às cegas – i.e., evitando o corte indiscriminado de arbustos ou árvores jovens que estejam a crescer em meio ao capinzal que acompanha as rodovias.
Ao contrário de gramíneas e outras plantas de crescimento rápido, árvores e arbustos alocam proporcionalmente muito mais recursos na manutenção das partes aéreas dos seus corpos (incluindo aí custosos sistemas de defesa, reparo e armazenagem). No fim das contas, é por isso que elas crescem tão mais devagar. (Plantas herbáceas, pouco ou nada investem em sistemas de defesa ou reparo, razão pela qual, aliás, nós podemos comer algumas delas cruas. A maior parte dos recursos é prontamente alocada em crescimento, embora o percentual alocado e a presteza da alocação sejam variáveis que a planta modula de acordo com as circunstâncias.)
O maior inconveniente da proposta aqui defendida é que o corte seletivo exige alguma atenção. Afinal, não dá para simplesmente passar a tesoura sem olhar. Por isso mesmo, o procedimento tendem a ser mais demorado. Mas isso apenas nos dois ou três primeiros anos. Depois disso, as diferenças se tornarão evidentes – em menos de dois anos, por exemplo, certas espécies de arbustos já terão alcançado mais de 2 m de altura.
Dois ou três anos depois de iniciado o corte seletivo, o círculo vicioso de outrora começará a ser substituído por um círculo virtuoso: à medida que arbustos e árvores conseguem se estabelecer e prosperar, a vegetação pioneira perde força. Como as plantas herbáceas (gramíneas etc.) em geral são intolerantes ao sombreamento, à medida que a vegetação arbórea ganha altura, gramíneas e afins irão rareando e, por fim, desaparecerão do local. (Assim como as saúvas, aliás.)
No contexto desse círculo virtuoso, portanto, trocaríamos um denso e permanente capinzal por fileiras de arbustos e árvores em crescimento a margear rodovias, rios etc. O atual serviço de capina poderá então ser substituído por um programa de manejo de uma paisagem que passaria a contar então com fileiras ou faixas (mais ou menos largas) de vegetação arbórea.
6. CODA.
De resto, nesta semana de volta às aulas, ficam aqui três sugestões de temas para uma redação escolar: “O mau cheiro do rio – Por que o rio da nossa cidade fede tanto?”, “O lixo na praia – Por que há tanto lixo jogado ou misturado na areia da praia?” e “O capim rodoviário – Quem cuida da vegetação que prospera ao longo das rodovias?”.
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NOTAS.
[*] Marinês Eiterer (1965-2023). Versão anterior deste artigo, intitulada ‘Vamos deixar o mato crescer!’, foi publicada no informativo eletrônico La Insignia, em 3/6/2007. Para outros artigos da autora publicados neste GGN, ver Por trás da beleza dos fogos de artifício (2017), Ornitologia para crianças: Tucanos e araçaris (2021) e Néctar: água, açúcar e mais algum tempero (2023).
[**] Sobre a campanha Pacotes Mistos Completos (por meio da qual é possível adquirir, sem despesas postais, os livros do segundo autor), ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para adquirir algum volume específico ou para mais informações, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos ou obter amostras de livros do segundo autor, ver aqui.
[1] 25 anos atrás, como uma tentativa de frear e contornar toda essa degradação, foi sancionada a chamada Lei das Águas (Lei no. 9.433, de 8/1/1997). A lei surgiu com o propósito de, entre outras coisas, estabelecer um prazo para que os municípios brasileiros enfrentassem e, quem sabe, iniciassem um programa sério visando reverter a degradação dos rios e, em última instância, a ameaça que ainda hoje paira sobre a integridade dos corpos de água doce usados para abastecimento urbano.
[2] Em certas cidades litorâneas, a administração municipal tem o curioso costume de arrumar a areia da praia, ao menos aquela que fica acima do limite da maré alta. Alguns porcossauros que moram nesses balneários adotaram o vergonhoso hábito de descartar sacos de lixo na areia da praia. Eles fazem isso em dias em que não há coleta. Consegue adivinhar o que acontece em seguida? Pois bem, a máquina da prefeitura vem, ignora a presença desses sacos (passa por cima ou encobre com areia) e o problema some. Mágica! O segundo autor aprendeu sobre isso em 2014, participando de um evento acadêmico em São Vicente (SP). Ao esconder o lixo na areia da praia, as autoridades municipais engambelam alguns turistas, dão um péssimo exemplo aos municípios mais jovens e, o pior de tudo, desrespeitam os próprios moradores da cidade. Em tempo: Não estou aqui me referindo apenas e tão somente aos governantes de São Vicente, se é que a prática por lá ainda perdura. Conheço relatos semelhantes envolvendo outras cidades. O caso de São Vicente me assustou apenas por que a cidade tinha ou tem pretensões de ser rotulada como turística. (Cidades turísticas brasileiras parecem condenadas a um entrechoque permanente envolvendo Locais e Visitantes. Cobrar preços extorsivos é uma das armas favoritas usadas pelos Locais. Jogar lixo na rua é um contra-ataque silencioso muito usado pelos Visitantes.)
[3] Os autores moraram na zona rural. O segundo autor ainda mora e segue a conviver com esses personagens. (Além, claro, de alguns outros que nem sempre são bem-vindos na casa de muita gente – para detalhes, ver o artigo No país da zoofobia.) Cabe aqui, no entanto, um registro importante: As espécies que vivem na zona rural não são as mesmas encontradas na zona urbana. Um exemplo notório é que não há ratazanas-de-esgoto na zona rural (Rattus norvegicus, uma espécie introduzida). Além de diferenças na composição e na diversidade das faunas, o tamanho das populações também costuma diferir bastante. Na zona rural, por exemplo, não há uma supremacia numérica tão exagerada de apenas uma ou outra espécie de barata ou de roedor. Razão pela qual a dieta dos predadores que se alimentam dessas presas também é outra. Assim, na ausência das suculentas baratas urbanas (e.g., Periplaneta americana, outra espécie introduzida), os escorpiões da zona rural seguem a dieta tradicional dos seus ancestrais, incluindo grilos e outros frequentadores da ruidosa e agitada vida noturna no campo.
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