16 março 2024

O tédio

Alberto Moravia

Cecília, como acho que dei a entender, não era falante. Ou melhor, poder-se-ía dizer que sua atitude natural era a do silêncio; até quando falava conseguia, por assim dizer, ser também silenciosa, graças à desconcertante brevidade e impessoalidade de sua linguagem. Parecia que as palavras, em sua boca, perdiam todo significado real, reduzindo-se a sons abstratos, como se fossem palavras de uma língua estrangeira que eu desconhecia. A falta de qualquer sotaque dialetal ou de qualquer inflexão social, a ausência total de lugares-comuns reveladores, a redução da conversa a constatações puras e simples de fato incontestáveis do tipo “hoje está quente”, confirmavam essa impressão de alheamento. Perguntava-lhe, por exemplo, o que tinha feito na noite anterior: ela respondia: “Fiquei em casa para o jantar, depois saí com mamãe e fomos juntas ao cinema”. Ora, como eu cedo percebera, as palavras ‘casa’, ‘jantar’, ‘mamãe’, ‘cinema’ – que em outra boca significariam o que significam normalmente e que, portanto, conforme eram pronunciadas eu podia compreender se me diziam mentira ou verdade, essas mesmas palavras, na boca de Cecília, pareciam apenas sons abstratos, atrás dos quais era impossível imaginar tanto a realidade de verdade como a da mentira. De que modo, porém, Cecília conseguia falar dando a impressão de estar calada, é uma pergunta que frequentemente fiz a mim mesmo. E cheguei à conclusão de que ela não tinha senão um modo de se expressar, o sexual, que, no entanto, era obviamente indecifrável embora original e poderoso; e de que com a boca ela nada dizia, nem mesmo as coisas relativas ao sexo, porque a boca, por assim dizer, era nela um orifício falso, sem profundidade nem ressonância, que não se comunicava com nada de seu interior. Tanto que, muitas vezes, olhando-a quando estava deitada a meu lado no sofá, depois do amor, de costas e com as pernas abertas, eu não podia deixar de comparar a fenda horizontal da boca com a vertical do sexo e de notar, surpreendido, como a segunda era mais expressiva do que a primeira, justamente na maneira toda psicológica própria daqueles traços do rosto nos quais se revela o caráter da pessoa.

Fonte: Moravia, A. 1979 [1972}. In: Wallace, B. Biologia social, v. 2. SP, EPU & Edusp. Excerto de livro publicado originalmente em 1960.

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