Vida na varanda
F. Ponce de León
O velho estava na varanda de casa, sentado em uma cadeira de balanço, tentando enfrentar o calor de trinta e tantos graus. Ansiava por alguma brisa naquele fim de tarde alaranjado; naquele fim de mundo que tanto amava; quase no fim da vida. Seus ralos fios de cabelo branco estavam grudados na nuca, de tanto suor. Com quase 90 anos de idade, para ele era ainda mais difícil afugentar todos aqueles mosquitos, insistentes e irritantes.
Era sexta-feira e, como de costume, um dos rapazes do mercadinho devia aparecer com as compras. De quando em quando, ele olhava para a porteira, torcendo para que tudo aquilo terminasse logo. (O calor, o suor, as moscas, a espera das compras.) Lá dentro, a menina preparava alguma coisa para a janta; da cozinha, porém, não saía nada: nem barulho, nem cheiro bom.
(Por que os filhos não arranjavam logo uma empregada melhor? Uma mais velha, que soubesse cozinhar direito e que prestasse mais atenção em sua conversa. Como se não bastasse toda a esquisitice, para ele a menina estava era esvaziando a biblioteca. Mas por que uma analfabeta estaria roubando seus livros?)
Ah, finalmente: parece que o rapaz das compras vem chegando. Sim, agora é ele. Pelo tamanho dos embrulhos, deve ter trazido a lista toda. A empregada aparece na porta para recebê-lo e o rapaz chega, carregando tudo de uma vez só. Tira o capacete, cumprimenta o velho e entra com os pacotes. Os dois demoram lá dentro e o velho acaba cochilando.
A empregada volta, trazendo um copo de limonada. O rapaz também aparece: ajeita-se, despede-se, sobe na moto e vai embora. A empregada recolhe o copo e chama o velho para dentro. (Já está na hora da janta.) Após o jantar, o velho recosta na poltrona, em um dos cantos da sala. Sob a luz amarelada de um abajur, tenta ler dois ou três parágrafos, mas acaba dormindo. (O calor não dá trégua.)
Acorda cedo, com a camisa de pijama grudada no corpo. Olha para o relógio: cinco e meia. Ainda no escuro, levanta-se e vai sozinho ao banheiro. Limpa-se. Vendo-se no espelho, pensa em fazer a barba, mas logo desiste. Vai até a cozinha. A menina ainda não se levantou. (Esta já é a terceira vez essa semana que ele acorda antes da empregada – ô gentinha lerda, sô!)
Após o café, o velho vai para a biblioteca. Lê e escreve um pouco. Pára logo. Já é sábado, e ele agora só pensa na visita dos netos e bisnetos. Quando chega na varanda e olha para o céu, percebe que vai chover. Pior: vai chover forte. Em dias assim, a chuva é apenas uma desculpa que filhos, noras e genros usam para não aparecer por aqui. (Os filhos foram morar na rua e aprenderam a odiar o barro da roça.)
Que se danem. Na verdade, o que mais o incomoda é saber que seus netos e bisnetos também não virão. Resta a varanda. E a cadeira. (Talvez um copo de limonada.)
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