Tudo que é sólido desmancha no ar
Marshall Berman
[Prefácio]
Durante a maior parte da minha vida, desde que me ensinaram que eu vivia num “edifício moderno” e crescia no seio de uma “família moderna”, no Bronx de trinta anos atrás, tenho sido fascinado pelos sentidos possíveis da modernidade. Neste livro, tentei descortinar algumas das dimensões de sentido, tentei explorar e mapear as aventuras e horrores, as ambigüidades e ironias da vida moderna. (...) Tentei mostrar como essas pessoas partilham e como esses livros e ambientes expressam algumas preocupações especificamente modernas. São todos movidos, ao mesmo tempo, pelo desejo de mudança – de autotransformação e de transformação do mundo em redor – e pelo terror da desorientação e da desintegração, o terror da vida que se desfaz em pedaços. Todos conhecem a vertigem e o terror de um mundo no qual “tudo que é sólido desmancha no ar”.
Ser moderno é viver uma vida de paradoxos e contradições. É sentir-se fortalecido pelas imensas organizações burocráticas que detêm o poder de controlar e freqüentemente destruir comunidades, valores, vidas; e ainda sentir-se compelido a enfrentar essas forças, a lutar para mudar o seu mundo transformando-o em nosso mundo. É ser ao mesmo tempo revolucionário e conservador: aberto a novas possibilidades de experiência e aventura, aterrorizado pelo abismo niilista ao qual tantas das aventuras modernas conduzem, na expectativa de criar e conservar algo real, ainda quando tudo em volta se desfaz. Dir-se-ia que para ser inteiramente moderno é preciso ser antimoderno: desde os tempos de Marx e Dostoievski até o nosso próprio tempo, tem sido impossível agarrar e envolver as potencialidades do mundo moderno sem abominação e luta contra algumas das suas realidades mais palpáveis. (...)
Logo depois de terminado este livro, meu filho bem-amado, Marc, de cinco anos, foi tirado de mim. A ele eu dedico Tudo que é sólido desmancha no ar. Sua vida e sua morte trazem muitas das idéias e temas do livro para bem perto: no mundo moderno, aqueles que são mais felizes na tranqüilidade doméstica, como ele era, talvez sejam os mais vulneráveis aos demônios que assediam esse mundo; a rotina diária dos parques e bicicletas, das compras, de comer e limpar-se, dos abraços e beijos costumeiros, talvez não seja apenas infinitamente bela e festiva, mas talvez infinitamente frágil e precária; manter essa vida exige talvez esforços desesperados e heróicos, e às vezes perdemos. Ivan Karamazov diz que, acima de tudo o mais, a morte de uma criança lhe dá ganas de devolver ao universo o seu bilhete de entrada. Mas ele não o faz. Ele continua a lutar e a amar; ele continua a continuar.
Fonte: Berman, M. 1986. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. SP, Companhia das Letras.
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