Homenagem a Tomas António Gonzaga
Jorge de Sena
Gonzaga: podias não ter dito mais nada,
não ter escrito senão insuportáveis versos
de um árcade pedante, numa língua bífida
para o coloquial e o latim às avessas.
Mas uma vez disseste:
“eu tenho um coração maior que o mundo”.
Pouco importa em que circunstâncias o disseste:
Um coração maior que o mundo –
uma das mais raras coisas
que um poeta disse.
Talvez que a tenhas copiado
de algum velho clássico. Mas como
a tu disseste, Gonzaga! Por certo
que o teu coração era maior que o mundo:
nem pátrias nem Marílias te bastavam.
(Ainda que em Moçambique, como Rimbaud na Etiópia,
engordasses depois vendendo escravos.)
Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1969.
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