25 janeiro 2007

Partes e todos, causas e efeitos

Richard C. Lewontin

[...]

Na análise causal, usualmente faz-se uma distinção entre causas necessárias e suficientes. Se algo é uma causa necessária de um efeito, ao evitarmos a causa evitamos também o efeito. Uma causa suficiente, em contraste, pode ser eliminada sem que o efeito seja evitado, porque alguma outra causa pode tomar seu lugar. Porém, se estiver presente uma causa suficiente, inevitavelmente o efeito decorrerá dela. Nessa análise simples, no entanto, as enfermidades cardiovasculares e o câncer não são causas necessárias nem suficientes da morte. Contrair uma ou outra dessas doenças não é garantia de que se morrerá em conseqüência dela e tampouco sua ausência confere imortalidade. [...]

Portanto, deve haver uma causa da morte como um fenômeno, como algo distinto dos casos individuais, que são mais bem entendidos como “agentes”. Agentes são caminhos alternativos de mediação de alguma causa básica, uma causa que opera sempre, ainda que através de caminhos diferentes. Se a causa não operar através de um agente, operará através de outro. Nesse sentido, a causa da morte está em que os organismos vivos são aparatos eletromecânicos, compostos de partes físicas articuladas, as quais, por razões puramente termodinâmicas, acabam por se descartar e deixam de funcionar. [...]

A mesma distinção entre causas e agentes é relevante para os problemas da poluição e do manejo de detritos. Quando iniciativas legais ou de pressão popular logram proibir um determinado processo industrial que envenena os trabalhadores ou que resulta na acumulação de detritos não-degradáveis, a indústria adota um processo diferente, em que outros venenos ou outros detritos são produzidos e outros recursos são consumidos. A produção de papel consome árvores e lança sulfitos na água e no ar. A substituição do papel por plásticos consome petróleo e cria um produto final não-degradável. Os mineiros já não morrem de doenças pulmonares adquiridas nas minas de carvão à medida que o carvão foi sendo substituído pelo petróleo. Em vez disso, eles morrem de câncer, induzido pelos produtos das refinarias. Sulfitos, encostas desmatadas e depósitos de materiais não-degradáveis não são as causas da degradação das condições da vida humana. São apenas seus agentes. A causa é a racionalidade estreita de um esquema anárquico de produção desenvolvido pelo capitalismo industrial e adotado pelo socialismo industrial. Nesse caso, como em todos os demais, a confusão entre agentes e causas impede uma confrontação realista com as condições da vida humana.

Fonte: Lewontin, R. C. 2002. A tripla hélice. SP, Companhia das Letras.

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