A morte de Ivan Ilitch
Leon Tolstói
6.
Ivan Ilitch via que estava morrendo e sentia-se constantemente desesperado. No fundo da alma sabia bem que estava morrendo; mas não só não conseguia habituar-se a essa idéia, como não a compreendia mesmo – era incapaz de compreendê-la.
O exemplo de silogismo que aprendera no compêndio de lógica de Kieseweter: Caio é um homem, os homens são mortais, logo Caio é mortal – encerrava um raciocínio que lhe parecia exato em se tratando de Caio, mas não da sua própria pessoa. Caio era um homem em geral e devia morrer. Ele, porém, não era Caio, não era um homem em geral; era um homem à parte, inteiramente à parte dos outros seres: ele era Vania, com sua mamãe e seu papai, com Mítia e Volódia, com seus brinquedos, com sua pajem, com o cocheiro, depois com Kátenka, com todas as alegrias, todas as tristezas, todos os entusiasmos da infância, da adolescência, da juventude. Acaso conhecia Caio o cheiro daquela bola de couro listrada de que Vânia tanto gostava? Beijava Caio a mão de sua mãe como Vania? Era para Caio que a saia de seda da mãe de Vania fazia o seu doce frufru? Fora Caio quem protestara, na escola, por causa dos pasteizinhos? Tinha ele amado como Vânia? Seria Caio capaz de presidir, como ele, uma audiência?
Caio é de fato mortal e é justo que morra. Mas eu, Vania, Ivan Ilitch, com todas as minhas idéias, com todos os meu sentimentos – isso é coisa inteiramente diversa. E é impossível que eu tenha que morrer. Seria por demais horrível.
Assim sentia ele.
[...]
Fonte: Tolstói, L. 2007. A morte de Ivan Ilitch/Senhores e servos. SP, Martin Claret. Obra originalemnte publicada em 1886.
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