O canto do piaga
Gonçalves Dias
1.
Ó Guerreiros da Taba sagrada,
Ó Guerreiros da Tribo Tupi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi.
Esta noite – era a lua já morta –
Anhangá me vedava sonhar;
Eis na horrível caverna, que habito,
Rouca voz começou-me a chamar.
Abro os olhos, inquieto, medroso,
Manitôs! Que prodígios que vi!
Arde o pau de resina fumosa,
Não fui eu, não fui eu, que o acendi!
Eis rebenta a meus pés um fantasma,
Um fantasma de imensa extensão;
Liso crânio repousa a meu lado,
Feia cobra se enrosca no chão.
O meu sangue gelou-se nas veias,
Todo inteiro – ossos, carnes – tremi,
Frio horror me coou pelos membros,
Frio vento no rosto senti.
Era feio, medonho, tremendo,
Ó Guerreiros, o espectro que eu vi.
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi!
2.
Por que dormes, ó Piaga divino?
Começou-me a Visão a falar,
Por que dormes? O sacro instrumento
De per si já começa a vibrar.
Tu não viste nos céus um negrume
Toda a face do sol ofuscar;
Não ouviste a coruja, de dia,
Seus estrídulos torva soltar?
Tu não viste dos bosques a coma
Sem aragem – vergar-se e gemer,
Nem a lua de fogo entre nuvens,
Qual em vestes de sangue, nascer?
E tu dormes, ó Piaga divino!
E Anhangá te proíbe sonhar!
E tu dormes, ó Piaga, e não sabes,
E não podes augúrios cantar?!
Ouve o anúncio do horrendo fantasma,
Ouve os sons do fiel Maracá;
Manitôs já fugiram da Taba!
Ó desgraça! Ó ruína! Ó Tupá!
3.
Pelas ondas do mar sem limites
Basta selva, sem folhas, vem;
Hartos troncos, robustos, gigantes;
Vossas matas tais monstros contêm.
Traz embira dos cimos pendente
– Brenha espessa de vário cipó –
Dessas brenhas contêm vossas matas;
Tais e quais, mas com folhas; é só!
Negro monstro os sustenta por baixo,
Brancas asas abrindo ao tufão,
Como um bando de cândidas garças,
Que nos ares pairando – lá vão.
Oh! quem foi das entranhas das águas,
O marinho arcabouço arrancar?
Nossas terras demanda, fareja...
Esse monstro... – o que vem cá buscar?
Não sabeis o que o monstro procura?
Não sabeis a que vem, o que quer?
Vem matar vossos bravos guerreiros,
Vem roubar-vos a filha, a mulher!
Vem trazer-vos crueza, impiedade –
Dons cruéis do cruel Anhangá;
Vem quebrar-vos a maça valente,
Profanar Manitôs, Maracás.
Vem trazer-vos algemas pesadas,
Com que a tribo Tupi vai gemer;
Hão de os velhos servirem de escravos,
Mesmo o Piaga inda escravo há de ser!
Fugireis procurando um asilo,
Triste asilo por ínvio sertão;
Anhangá de prazer há de rir-se,
Vendo os vossos quão poucos serão.
Vossos Deuses, ó Piaga, conjura,
Susta as iras do fero Anhangá.
Manitôs já fugiram da Taba,
Ó desgraça! Ó ruína! Ó Tupá!
Fonte: Dias, G. 2003. I-Juca-Pirama. Os Timbiras. Outros poemas. SP, Martin Claret. Poema originalmente publicado em 1846.
3 Comentários:
é muito massa esse poema ...
bem interessante ..
gostei ;p
\õ/
Quando no antigo ginásio eus estudava, havia aulas de Declamação. Tive de decorar toda a poesia. Fiquei contente de encontrá-la aqui, agora. Deu-me saudade.
Antônio Carlos (JF.)
Quanta saudade do Ginásio Paraense e do velho professor Honorato Figueiras.
Alcides
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