Sílabas
António Ramos Rosa
Sílabas.
O álcool de dezembro é frio e rouco.
O cigarro amarga. É um cigarro clínico.
Sílabas.
Com sílabas se fazem versos.
O tampo da mesa é liso.
Uma colher é uma forma complexa
familiar e deliciosa.
Um copo é nítido
como um criado sem servilismo.
Uma mulher condensa-se
no olhar do poeta.
Um corpo. Duas sílabas.
O dinheiro à justa. A gola da gabardina
para tapar a nuca
e os ouvidos.
Sílabas.
Fonte: Melo e Castro, E. M. 1973. O próprio poético. SP, Quíron. Poema originalmente publicado em 1960.
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