Vida, paixão e morte do Tiradentes
Henriqueta Lisboa
Entre rios e cascalhos
nasceu.
No berço das águas
cinco estrelas claras.
Ó infante, depressa,
as margaridas te esperam para a ciranda,
madrinha lua te espera para as vigílias.
Pejavam-se as nuvens, as nuvens fugiam,
cruzavam as tardes borboletas lentas.
Na sombra, setas oblíquas.
Antônia da Encarnação Xavier,
não deixes teu menino crescer.
Ele não terá pouso certo,
será chamado o corta-vento,
exalará o hálito da revolta,
perecerá de morte infamante.
Talos e vergônteas ríspidas cresciam.
Seivosas touceiras com frutos cresciam.
Mãe morta. Pai morto. Campo limpo.
O caminho do louco está livre.
A terra pertence ao louco,
a terra é um punhado de poeira na palma da mão do louco,
por entre abismos levita o louco,
as serras são trabalhadas pelo louco,
os rios são dirigidos pelo louco,
a imagem da Santíssima Trindade acena ao louco,
a brasa de Isaías queima os lábios do louco,
vai pelo mundo o louco apregoando a verdade!
As verdades como pedras
chovem pelo monte abaixo.
Cravejada de sementes
ergue-se a planície grávida.
Veio a tempestade, o incêndio,
a derrubada dos troncos.
Vai-se consumando aos poucos
o holocausto do cordeiro:
– Agora sei. Nenhum pouso
me prometia sossego.
As paredes da masmorra
não me poderão conter.
Nos socavões e nas grotas
dorme o ouro da madrugada.
Minhas algemas são de ouro
para servirem de aldrava.
Sinos de cristal ardente
acordarão a distância
“com os fios desse enredo
para daqui a cem anos.”
Céu azul, vejo-te ainda
nas orvalhadas da noite
através da pura gota
que meus olhos chorariam.
Do roxo de minhas pálpebras
não tarda a nascer a rosa
em cujo pequeno cálix
mal cabe o meu sangue todo.
Aurora da cor do sangue,
quantas rosas eu não dera
para que raiasses antes
que meu suspiro morresse.
Fonte: Lisboa, H. 2001. Melhores poemas. SP, Global. Poema originalmente publicado em 1952.
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