Os andares do mundo
Claude Lévi-Strauss
Num edifício residencial, o piso do apartamento de cima é o teto para o apartamento de baixo e vice-versa. O mesmo ocorre em um mundo formado de níveis sobrepostos: “O que”, dizem os Kampa, “é para nós terra firme, é um céu aéreo para os seres que vivem abaixo de nós, e o céu aéreo constitui a terra firme daqueles que vivem acima”. Não é de se espantar que num universo assim os problemas de coabitação assumam proporções cósmicas. Índios que vivem em cabanas rudimentares e, em geral, diretamente sobre o chão não deixam de perceber de modo bastante realista as ‘chateações’ que, nas reuniões de condomínio, constituem o tema inexaurível das reclamações de uns vizinhos contra os outros: barulho, vazamentos, terraços sujos de cascas e pontas de cigarro...
Os Munduruku acreditam que um povo de espíritos inofensivos habita o mundo inferior. Esses espíritos organizam expedições de pesca com timbó: “Essas pescarias sempre são barulhentas, mas as dos Kokeriwat são tão tempestuosas que provocam uma ventania. Isso é sentido, no mundo terrestre, nas ondas de frio que atingem o país munduruku em junho, durante dois ou três dias. As pescarias dos Munduruku, em compensação, provocam quedas de temperatura no mundo subterrâneo”.
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Fonte: Lévi-Strauss, C. 1986. A oleira ciumenta. SP, Brasiliense.
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