Grafito para Ipólita
Murilo Mendes
1.
A tarde consumada. Ipólita desponta.
Ipólita, a putain do fim da infância,
Nascera em Juiz de Fora, a família em Ferrara.
Seus passos feminantes fundam o timbre.
Marcha, parece, ao som do gramofone.
A cabeleira-púbis, perturbante.
Os dedos prolongados em estiletes.
Os lábios escandindo a marselhesa
Do sexo. Os dentes mordem a matéria.
O olho meduseu sacode o espaço.
O corpo transmitindo e recebendo
O desejo o chacal a praga o solferino.
Pudesse eu decifrar sua íntima praça!
Expulsa o sol-e-dó, a professora, o ícone,
Só de vê-la passar, meu sangue inobre
Desata as rédeas ao cavalo interno.
2.
Quando tarde a revejo, rio usado,
Já a morte lhe prepara a ferramenta.
Deixa o teatro, a matéria fecal.
Pudesse eu libertar seu corpo (Minha cruzada!)
Quem sabe, agora redescobre o viso
Da sua primeira estrela, esquartejada.
3.
Por ela meus sentidos progrediram.
Por ela fui voyeur antes do tempo.
4.
O dia emagreceu. Ipólita desponta.
Fonte: Moriconi, I., org. 2001. Os cem melhores poemas brasileiros do século. RJ, Objetiva. Poema publicado em livro em 1970.
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