04 janeiro 2011

A equação de uma baleia

Carl Zimmer

Uma das coisas que mais impressionaram Balzac a respeito de Cuvier foi que ele “reconstruía cidades a partir de um dente, como Cadmo”. O Barão dos Fósseis granjeou sua reputação com relação a dentes em 1804, quando recebeu o esqueleto de uma criatura do tamanho de um gato das pedreiras de calcário de Montmartre. Ela deixara sua marca em duas lascas de pedra que se encaixavam como sardinhas na lata. Os quadris, as pernas e pedaços da espinha alojavam-se numa das peças de calcário, com o resto do esqueleto na outra peça: um ombro, um braço e parte da mandíbula, os dentes como que num sorriso meio escancarado na pedra. Sem uma idéia clara de que tipo de animal se tratava, Cuvier levou o fóssil para o seu laboratório de museu e começou a examinar a boca do animal, desencravando os ossos e desenhando os detalhas à medida que avançava.

Podia ver a saliência na parte de trás da mandíbula, onde ela se articulava com o crânio, característica chamada de côndilo e que só os mamíferos possuem. Em muitos mamíferos o côndilo eleva-se alto atrás da maxila, mas a criatura no calcário recebido por Cuvier tinha um côndilo baixo que mal sobressaía das fileiras de dentes. Pôde de imediato eliminar a hipótese de ser um gato, cão ou marta, porque só animais como a toupeira, o porco-espinho, o morcego e o opossum têm mandíbula desse tipo. Cuvier soltou a mandíbula inferior e expôs as duas fileiras de dentes. Não eram pontiagudos como os de um carnívoro nem achatados como os de um herbívoro, uma vaca por exemplo. Eles se eriçavam em pequenos vértices pontudos – o tipo de dentes também característico apenas dos mamíferos com côndilo baixo. Sob uma lupa, pôde ver que alguns dentes eram triangulares, com três cúspides na forma de ganchos. Uma toupeira tem sete cúspides desse tipo; igualmente um morcego; um porco-espinho tem quatro. Os únicos mamíferos que têm três são certos marsupiais: o opossum da América do Sul e do Norte e seus parentes, os dasiurídeos da Austrália (grupo que inclui o diabo-da-tasmânia).

“Parei o meu trabalho nos dentes antes de me ocupar do resto do esqueleto”, escreveu mais tarde Cuvier, “mas podia prever tudo apenas a partir desse índice. Número de partes, formas, proporções – tudo o que a superfície da rocha nos oferecia achava resposta completa à primeira vista.”
[...]

Fonte: Zimmer, C. 1999. À beira d’água. RJ, Jorge Zahar.


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