O pavão misterioso
José Camelo de Melo Resende
Creuza disse: – Estou pronta
Já podemos ir embora!
E subiram pela corda
Até que saíram fora
Se aproximava a alvorada
Pela cortina da aurora.
Com pouco, o conde acordou,
Viu a corda pendurada
Na coberta do sobrado.
Distinguiu uma zoada
E as lâmpadas do aparelho
Mostrando luz variada.
E a gaita do pavão
Tocando com rouca voz
O monstro de olhos de fogo
Projetando seus faróis,
O conde mandando praga,
Disse a moça: – É contra nós!
Os soldados da patrulha
Estavam de prontidão,
Disseram: – Vem ver, Fulano!
Lá vai passando o pavão!
O monstro fez uma curva
Para tomar a direção.
Então dizia um soldado:
– Orgulho é uma ilusão!
Um pai governa a filha,
Sem mandar no coração –
E agora a condessinha
Vai fugindo no pavão!
O conde olhou para a corda,
Viu o buraco no telhado,
Como tinha sido vencido
Pelo rapaz atilado,
Adoeceu só de raiva,
Morreu por não ser vingado.
Logo que Evangelista
Foi chegando na Turquia
Com a condessa da Grécia,
Fidalga da monarquia,
Em casa de João Batista
Casou-se no mesmo dia.
Em casa de João Batista
Deu-se o grande ajuntamento
Dando viva aos noivados,
Parabéns do casamento.
À noite teve retreta
Com visita e cumprimento.
Enquanto Evangelista
Gozava imensa alegria,
Chegava um telegrama
Da Grécia para a Turquia,
Chamando a condessa Creuza
Pelo motivo que havia.
Dizia o telegrama:
Creuza vem com teu marido
Receber a tua herança:
O conde é falecido.
Tua mãe deseja ver
O genro reconhecido.
A condessa estava lendo,
Com o telegrama na mão.
Entregou a Evangelista
Que mostrou a seu irmão
Dizendo: – Vamos voltar
Por uma justa razão.
De manhã, quando os noivos
Acabaram de almoçar,
E Creuza em trajes de noiva
Pronta para viajar,
De palma, véu e capela
Pois só vieram casar.
Diziam os convidados:
– A condessa é tão mocinha,
Mas, vestida como noiva,
Tornou-se mais bonitinha!
Está com um buquê de flor
Séria como uma rainha!
Os noivos tomaram assento
No pavão de alumínio
E o monstro levantou-se,
Foi ficando pequenino –
Continuou o seu vôo
No rumo de seu destino.
Na cidade de Atenas
Estava a população
Esperando pela volta
Do aeroplano pavão,
Ou cavalo do espaço
Que imita o avião.
Na tarde do mesmo dia
Que o pavão foi chegado,
Em casa de Edmundo
Ficou o noivo hospedado,
Seu amigo de confiança
Que foi bem recompensado.
E também a mãe de Creuza
Já esperava vexada.
A filha mais tarde entrou,
Muito bem acompanhada,
De braço com o seu noivo
Disse: – Mãe, estou casada!
Disse a velha: – Minha filha,
Saíste do cativeiro!
Fizeste bem em fugir
E casar no estrangeiro
Tomem conta da herança –
Meu genro é meu herdeiro!
Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. O poema inteiro, publicado em livro na década de 1920, contém 141 estrofes; o trecho acima corresponde às últimas 18.
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