13 abril 2012

A percepção de dor

Ronald Melzack

Mesmo considerando que a dor seja uma experiência reservada e pessoal, nunca procuramos defini-la numa conversa comum. De fato, ninguém que tenha trabalhado com o problema da dor pôde jamais defini-la de um modo que satisfizesse a todos os seus colegas. Comparada, por exemplo, com a visão ou a audição, a percepção de dor parece simples, imediata e primitiva. Esperamos que os sinais nervosos evocados por ferimentos “se apresentem”, a menos que estejamos inconscientes ou anestesiados. Mas experimentos mostram que nem sempre a dor é percebida depois de um ferimento, mesmo que estejamos completamente conscientes e alertas. Assim, um conhecimento da percepção de dor vai além do problema da própria dor: auxilia-nos a compreender a enorme plasticidade do sistema nervoso e como cada um de nós responde ao mundo de maneira única.
[...]

Acreditamos agora que a dor se refira a uma categoria de experiências complexas, não a uma sensação única produzida por um estímulo específico. Em seu ensaio “On being ill”, Virgínia Woolf toca precisamente nesse ponto. “O inglês, escreveu ela, que pode exprimir os pensamentos de Hamlet e a tragédia de Lear, não tem palavras para o calafrio e a dor de cabeça... Qualquer estudante, quando se apaixona, tem Shakespeare e Keats para falar por ela; mas tente um sofredor descrever sua dor de cabeça a um médico e a linguagem se tornará imediatamente pobre.”

Estamos começando a reconhecer a pobreza da linguagem para descrever as muitas qualidades diferentes da experiência sensorial e afetiva, que simplesmente categorizamos sob o amplo título de “dor”. Estamos cada vez mais conscientes da plasticidade e labilidade dos fenômenos que ocorrem no sistema nervoso central. Sabemos que na parte inferior do cérebro, pelo menos, os padrões de impulsos produzidos por estímulos dolorosos percorrem múltiplos caminhos, indo para regiões amplas do cérebro, e não por um único caminho para um “centro da dor”. A evidência psicológica confirma enfaticamente que a dor é uma experiência perceptual, cuja qualidade e intensidade são influenciadas pela única história passada do indivíduo, pelo sentido que ele dá à situação que produz a dor e por seu “estado mental” no momento. Acreditamos que todos esses fatores tenham um papel na determinação dos padrões reais dos impulsos nervosos que sobem ao cérebro e que transitam dentro do próprio cérebro. Dessa forma, a dor se torna uma função do indivíduo como um todo, incluindo seus temores e idéias atuais, bem como suas esperanças do futuro.

Fonte: Melzack, R. 1977. A percepção de dor. In: Scientific American, Psicobiologia: as bases biológicas do comportamento. RJ, LTC. Artigo originalmente publicado em 1961.

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