A estrutura do comportamento
Maurice Merleau-Ponty
1.
A análise científica do comportamento é definida de início por oposição aos dados da consciência ingênua. Se estou em uma sala escura e uma mancha luminosa aparece sobre a parede e aí se desloca, direi que ela ‘atraiu’ minha atenção, que voltei os olhos ‘em direção’ a ela, que em todos os seus movimentos ela ‘arrasta’ meu olhar. Apreendido do interior, meu comportamento parece como que orientado, dotado de uma intenção e de um sentido. A ciência parece exigir que rejeitemos esses caracteres como aparências sob as quais é preciso descobrir uma realidade de um outro gênero. Dir-se-á que a luz vista não está ‘senão em nós’. Ela encobre um movimento vibratório que, ele próprio, não é jamais dado à consciência. Chamemos ‘luz fenomenal’ a aparência qualitativa, e ‘luz real’ o movimento vibratório. Uma vez que a luz real não é nunca percebida, ela não saberia se apresentar como um fim em direção ao qual se orienta meu comportamento. Ela não pode ser pensada senão como uma causa que age sobre o meu organismo. [...] Enfim, se a mancha luminosa se desloca e meu olho a segue, devo ainda aqui compreender o fenômeno sem nele introduzir nada que se assemelhe a uma intenção. Sobre minha retina considerada, não como uma tela qualquer, mas como um receptor ou muito mais como um conjunto de receptores descontínuos, não existe, falando com propriedade, movimento da luz. [...] Assim, a partir do momento em que cessamos de nos fiar nos dados imediatos da consciência e queremos construir uma representação científica do organismo, parece que somos conduzidos à teoria clássica do reflexo – isto é, a decompor a excitação e a reação em uma multidão de processos parciais, exteriores uns aos outros no tempo como no espaço. [...]
[...] Se o comportamento parece intencional, é que ele é regulado por certos trajetos nervosos preestabelecidos de tal maneira que de fato eu obtenha satisfação. A atividade ‘normal’ de um organismo não é mais que o funcionamento desse aparelho montado pela natureza; não existem normas verdadeiras, existem apenas efeitos. A teoria clássica do reflexo e os métodos de análise real e de explicação causal dos quais ela não é senão uma explicação parecem os únicos capazes de constituir uma representação científica e objetiva do comportamento. O objeto da ciência se define pela exterioridade mútua das partes ou dos processos.
Ora, é um fato que a teoria clássica do reflexo é ultrapassada pela fisiologia contemporânea. Seria suficiente melhorá-la ou deve-se mudar de método? A ciência mecanicista teria falhado na definição da objetividade? A clivagem do subjetivo e do objetivo teria sido mal feita, a oposição de um universo da ciência, inteiramente fora de si, – e de um universo da consciência, definido pela presença total de si a si, seria insustentável? [...]
A análise científica do comportamento é definida de início por oposição aos dados da consciência ingênua. Se estou em uma sala escura e uma mancha luminosa aparece sobre a parede e aí se desloca, direi que ela ‘atraiu’ minha atenção, que voltei os olhos ‘em direção’ a ela, que em todos os seus movimentos ela ‘arrasta’ meu olhar. Apreendido do interior, meu comportamento parece como que orientado, dotado de uma intenção e de um sentido. A ciência parece exigir que rejeitemos esses caracteres como aparências sob as quais é preciso descobrir uma realidade de um outro gênero. Dir-se-á que a luz vista não está ‘senão em nós’. Ela encobre um movimento vibratório que, ele próprio, não é jamais dado à consciência. Chamemos ‘luz fenomenal’ a aparência qualitativa, e ‘luz real’ o movimento vibratório. Uma vez que a luz real não é nunca percebida, ela não saberia se apresentar como um fim em direção ao qual se orienta meu comportamento. Ela não pode ser pensada senão como uma causa que age sobre o meu organismo. [...] Enfim, se a mancha luminosa se desloca e meu olho a segue, devo ainda aqui compreender o fenômeno sem nele introduzir nada que se assemelhe a uma intenção. Sobre minha retina considerada, não como uma tela qualquer, mas como um receptor ou muito mais como um conjunto de receptores descontínuos, não existe, falando com propriedade, movimento da luz. [...] Assim, a partir do momento em que cessamos de nos fiar nos dados imediatos da consciência e queremos construir uma representação científica do organismo, parece que somos conduzidos à teoria clássica do reflexo – isto é, a decompor a excitação e a reação em uma multidão de processos parciais, exteriores uns aos outros no tempo como no espaço. [...]
[...] Se o comportamento parece intencional, é que ele é regulado por certos trajetos nervosos preestabelecidos de tal maneira que de fato eu obtenha satisfação. A atividade ‘normal’ de um organismo não é mais que o funcionamento desse aparelho montado pela natureza; não existem normas verdadeiras, existem apenas efeitos. A teoria clássica do reflexo e os métodos de análise real e de explicação causal dos quais ela não é senão uma explicação parecem os únicos capazes de constituir uma representação científica e objetiva do comportamento. O objeto da ciência se define pela exterioridade mútua das partes ou dos processos.
Ora, é um fato que a teoria clássica do reflexo é ultrapassada pela fisiologia contemporânea. Seria suficiente melhorá-la ou deve-se mudar de método? A ciência mecanicista teria falhado na definição da objetividade? A clivagem do subjetivo e do objetivo teria sido mal feita, a oposição de um universo da ciência, inteiramente fora de si, – e de um universo da consciência, definido pela presença total de si a si, seria insustentável? [...]
Fonte: Merleau-Ponty, M. 1975 [1942]. A estrutura do comportamento. BH, Interlivros.
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