15 novembro 2012

O contador de areia

Carl B. Boyer & Uta C. Merzbach

Na Grécia antiga fazia-se uma clara distinção não só entre teoria e aplicação, como também entre computação mecânica de rotina e o estudo teórico das propriedades dos números. À primeira, para a qual os matemáticos gregos, ao que se diz, olhavam com desprezo, era dado o nome de logística, enquanto a aritmética, um respeitável assunto de investigação filosófica, tratava apenas [com] esse último aspecto.

Arquimedes viveu mais ou menos na época em que se efetivou a transição da numeração ática para a jônica, e isso pode explicar o fato de ele ter-se rebaixado a dar uma contribuição à logística. Em uma obra chamada Psammites (Contador de areia), Arquimedes se gabava de poder escrever um número maior do que o número de grãos de areia necessários para encher o universo. Ao fazer isso, ele se referia a uma das mais audaciosas especulações astronômicas da antiguidade – aquela em que Aristarco de Samos, por meados do terceiro século a.C., propunha pôr a Terra em movimento ao redor do Sol. Aristarco afirmou que a ausência de paralaxe foi o fator que levou os maiores astrônomos da antiguidade (incluindo, provavelmente, Arquimedes) a rejeitar a hipótese heliocêntrica; mas Aristarco afirmou que a ausência de paralaxe pode ser atribuída à enormidade da distância das estrelas fixas à Terra. Agora, para cumprir sua palavra, Arquimedes tinha, por força, que prever todas as possíveis dimensões do universo, e, portanto, mostrou que podia enumerar os grãos de areia necessários para preencher mesmo o imenso mundo de Aristarco.

Para o universo de Aristarco, que está para o universo ordinário assim como esse está para a Terra, Arquimedes mostrou que são necessários não mais que 1063 grãos de areia. Arquimedes não usou essa notação, mas em vez disso descreveu o número como sendo dez milhões de unidades da oitava ordem de números (em que os números de segunda ordem começam com uma miríade de miríades, e os de oitava com a sétima potência de uma miríade de miríades). Para mostrar que podia exprimir um número maior ainda, Arquimedes estendeu sua terminologia para chamar todos os números de ordem menor que uma miríade de miríades os do primeiro período, o segundo período, consequentemente, começando [com] o número (108)108, um número que teria 800.000.000 de algarismos. Isto é, seu sistema iria até um número que se escrevesse como 1, seguido de uns oitenta mil milhões de milhões de algarismos. Foi em conexão com esse trabalho sobre números imensos que Arquimedes mencionou, muito incidentalmente, o princípio que mais tarde levou à invenção dos logaritmos – a adição das ‘ordens’ dos números (o equivalente de seus expoentes quando a base é 100.000.000) corresponde a achar o produto dos números.

Fonte: Boyer, C. B. & Merzbach, U. C. 2012. História da matemática, 3ª edição. SP, Blücher.

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