Oração ao Negrinho do pastoreio
Augusto Meyer
Negrinho do Pastoreio,
Venho acender a velinha
Que palpita em teu louvor.
A luz da vela me mostre
O caminho do meu amor.
A luz da vela me mostre
Onde está Nosso Senhor.
Eu quero ver outra luz
Na luz da vela, Negrinho,
Clarão santo, clarão grande
Como a verdade e o caminho
Na falação de Jesus.
Negrinho do Pastoreio
Diz que você acha tudo
Se a gente acender um lume
De velinha em seu louvor.
Vou levando esta luzinha
Treme-treme, protegida
Contra o vento, contra a noite...
É uma esperança, queimando
Na palma da minha mão.
Que não se apague este lume!
Há sempre um novo clarão.
Quem espera acha o caminho
Pela voz do coração.
Eu quero achar-me, Negrinho!
(Diz que você acha tudo!)
Ando tão longe, perdido...
Eu quero achar-me, Negrinho:
A luz da vela me mostre
O caminho do meu amor.
Negrinho, você que achou
Pela mão da sua Madrinha
Os trinta tordilhos negros
E varou a noite toda
De vela acesa na mão
(Piava a coruja rouca
No arrepio da escuridão,
Manhãzinha, a estrela d’alva
Na voz do galo cantava,
Mas quando a vela pingava,
Cada pingo era um clarão),
Negrinho, você que achou,
Me leve à estrada batida
Que vai dar no coração!
Ah! os caminhos da vida
Ah! os caminhos da vida
Ninguém sabe onde é que estão!
Negrinho, você que foi
Amarrado num palanque,
Rebenqueado a sangue pelo
Rebenque do seu patrão,
E depois foi enterrado
Na cova de um formigueiro
Pra ser comido inteirinho
Sem a luz da extrema-unção,
Se levantou saradinho,
Se levantou inteirinho:
Seu riso ficou mais branco
De enxergar Nossa Senhora
Com seu Filho pela mão!
Negrinho santo, Negrinho,
Negrinho do Pastoreio,
Você me ensine o caminho,
Pra chegar à devoção,
Pra sangrar na cruz bendita
Pelo cravos da Paixão.
Negrinho santo, Negrinho,
Quero aprender a não ser!
Quero ser como a semente
Na falação de Jesus,
Semente que só vivia
E dava fruto enterrada,
Apodrecendo no chão.
Fonte: Meyer, A. 2002. Melhores poemas de Augusto Meyer. SP, Global. Poema publicado em livro em 1928.
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