08 setembro 2013

Da natureza como o fogo de Heráclito e do conforto da Ressurreição

Gerard Manley Hopkins

Nuvem-mofo-balofo, tufos rotos, paina solta, em meneios, pavoneios; depois somem em disparada
por uma estrada no ar: fanfarrões do firmamento, gaios bandos, amontoando-se, cintilam em procissão.
Cada vez que um elmo verga e roça-a, ofuscante cai a cal da caiação –
Estilhas-luz, cordoalha-sombra, em ásp’ras vergastas, enlaçam-se, lançam-se emparelhadas.
Divertido, o vento chispante, buliçoso, laça, luta, e a terra ele desnuda
Dos vincos do aguaceiro-de-ontem; em poças e sulcos vai as crostas enxugando
Do lodo que vaza, e o seca até a massa à casca, ao pó; estacando, engomando
Esquadrões de máscaras e marcas de homem que, pisando ali na lama, em sua labuta,
Com os pés a foram amarrotando. Combustível às porções, inflama-se em labaredas a natureza,
Mas extingue-se sua centelha mais linda, a favorita, que brilha mais ela mesma, destacadamente –
O homem! Quão depressa empalidece sua marca-de-fogo, sua marca na mente!
Ambas numa insondável, tudo na mais imensa escureza.
Submerso. Que lástima e indignação! A forma do homem, que resplandece
Destacada, única – estrela, ou sinal dele, por mais cabal,
A morte apaga e enegrece,
A vastidão empana, o tempo arrasa. Basta! a Ressurreição –
Clarim-do-coração! Vai-te pesar suspiroso, depressão, dias sem alegria.
No meu convés soçobrante, um clarão
Um farol, eterno feixe-de-luz. A carne desfalece e o lixo mortal
Cai para o verme residuário; o fogaréu do mundo em cinza esfria:
Num relâmpago, a um estrondo de trombeta-final,
Súbito sou tudo que Cristo é, se Ele foi tudo que sou, e, num instante,
Este João-Ninguém caçoado, pobre caco, trapo, palito de fósforo, imortal diamante,
É diamante imortal.

Fonte: Hopkins, G. M. 1989. Poemas. SP, Companhia das Letras. Poema publicado em livro em 1918.

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