Da natureza como o fogo de Heráclito e do conforto da Ressurreição
Gerard Manley Hopkins
Nuvem-mofo-balofo, tufos
rotos, paina solta, em meneios, pavoneios; depois somem em disparada
por uma estrada no ar: fanfarrões
do firmamento, gaios bandos, amontoando-se, cintilam em procissão.
Cada vez que um elmo
verga e roça-a, ofuscante cai a cal da caiação –
Estilhas-luz,
cordoalha-sombra, em ásp’ras vergastas, enlaçam-se, lançam-se emparelhadas.
Divertido, o vento
chispante, buliçoso, laça, luta, e a terra ele desnuda
Dos vincos do aguaceiro-de-ontem;
em poças e sulcos vai as crostas enxugando
Do lodo que vaza, e o
seca até a massa à casca, ao pó; estacando, engomando
Esquadrões de máscaras e marcas
de homem que, pisando ali na lama, em sua labuta,
Com os pés a foram
amarrotando. Combustível às porções, inflama-se em labaredas a natureza,
Mas extingue-se sua
centelha mais linda, a favorita, que brilha mais ela mesma, destacadamente –
O homem! Quão depressa
empalidece sua marca-de-fogo, sua marca na mente!
Ambas numa insondável,
tudo na mais imensa escureza.
Submerso. Que lástima e
indignação! A forma do homem, que resplandece
Destacada, única –
estrela, ou sinal dele, por mais cabal,
A morte apaga e enegrece,
A vastidão empana, o
tempo arrasa. Basta! a Ressurreição –
Clarim-do-coração! Vai-te
pesar suspiroso, depressão, dias sem alegria.
No meu convés soçobrante,
um clarão
Um farol, eterno feixe-de-luz.
A carne desfalece e o lixo mortal
Cai para o verme
residuário; o fogaréu do mundo em cinza esfria:
Num relâmpago, a um
estrondo de trombeta-final,
Súbito sou tudo que Cristo
é, se Ele foi tudo que sou, e, num instante,
Este João-Ninguém
caçoado, pobre caco, trapo, palito de fósforo, imortal diamante,
É diamante imortal.
Fonte: Hopkins, G. M.
1989. Poemas. SP, Companhia das
Letras. Poema publicado em livro em 1918.
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