Compromisso ético
Mauro Santayana
Éramos todos jovens e
acreditávamos que um bom jornal poderia mudar o mundo. Talvez nos visitasse
aquela convicção, registrada por Fernando Pessoa, de alguém que se senta à mesa
do café, redige um artigo de fundo para o Times,
certo de que mudaria o mundo. E não é que o mundo mudou, mesmo? – conclui o
poeta. Estou certo de que, um pouquinho que seja, mudamos o mundo, porque
mudamos um pouco a sociedade de Belo Horizonte e influímos na vida política
nacional daqueles anos.
José Maria e Euro Luís
Arantes gostavam de narrar o momento em que o jornal nasceu. Estavam os dois,
redatores do então Informador Comercial
(hoje Diário do Comércio) do exemplar
homem de imprensa que foi José Costa, na sacada da redação, assistindo a um
protesto dos estudantes contra o aumento das entradas de cinema, que acabou em
quebra-quebra. A polícia reprimia com a violência habitual os manifestantes.
“Belo Horizonte está precisando de um jornal independente” – disse um ao outro.
E nasceu o Binômio.
Companheiro de José Maria
na reportagem do Diário de Minas,
acompanhei o Binômio desde os seus primeiros
tempos, e com ele colaborei. Mais tarde, o jornal crescido, essa colaboração se
tornou mais densa, até os episódios conhecidos que levaram ao empastelamento do
jornal, uma espécie de aviso para a grande noite que sofreria o Brasil.
Daquela experiência ficou
o registro de uma teimosia ética. Não éramos, os que redigíamos o jornal,
moralistas hipócritas. Todos tínhamos os nossos humaníssimos defeitos. Mas, do
ponto de vista do interesse coletivo, rigorosa era a ética em que nos movíamos.
Se os riscos maiores cabiam a José Maria e ao Euro, sempre ameaçados de
agressão e de morte, todos nós nos sentíamos no mesmo barco e empurrados pela
mesma coragem. Era quase com certa volúpia – como a dos que amam a velocidade e
os esportes violentos – que recebíamos as ameaças e que nos preparávamos para o
provável confronto.
O jornal trouxe certo
choque à acomodada sociedade de Belo Horizonte dos anos 50. Havia coisas de que
todos sabiam, mas ninguém publicava. O semanário começou a tocar nos assuntos
proibidos, e a ganhar a simpatia da classe média e do povão. A tiragem crescia,
obrigando os editores a buscar oficinas do Rio de Janeiro – porque as que
podiam rodar o semanário na capital a isso se recusavam – a fim de acompanhar
as exigências da circulação. A força política do Binômio se revelou nas
eleições parlamentares de 1959, quando Euro Luís Arantes se elegeu deputado
estadual com a maior votação relativa já recebida no universo eleitoral de Belo
Horizonte.
A violência interrompeu a
vida do jornal. Em seguida, com o golpe militar, muitos de seus redatores
tiveram que partir para o exílio. Um deles, Fernando Gabeira, teve grande
notoriedade, ao participar da luta armada e do seqüestro do embaixador dos
Estados Unidos no Brasil. O que teria ocorrido, se não houvesse a violência e o
golpe? Talvez, com a idade, o Binômio
se tornasse um bem-comportado diário, mas é difícil imaginá-lo assim. É certo
que a sua linguagem havia se tornado mais comedida, o seu estilo mais sério, se
comparado ao dos primeiros números, quando abusava do humor escancarado. Isso
não o tornou menos temido e menos agressivo; ao contrário, como os fatos vieram
a demonstrar. Provavelmente o jornal encontraria, com o tempo, o seu ponto de
maturidade, sem que perdesse o compromisso ético de seus fundadores.
Fonte: Rabêlo, J. M.
1997. Binômio: edição histórica. BH,
Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.
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