Afetos, desafetos... e um adeus
Maria Eugênia Carvalho do Amaral
Ela vinha de uma família
pouco dada a manifestações afetuosas. Quando menina, sofreu – e mesmo adulta
nunca superou a falta que sentia de um carinho. Foi um daqueles casos quase
caricatos de carência afetiva.
O pai se atrapalhava todo
ao dar um simples abraço. Por vezes, após meses sem vê-la, estendia a mão ao
reencontrá-la, como para um aperto de mãos no mais formal dos encontros, apesar
de estar visivelmente emocionado. Ela demorou a traduzir esses sinais
desencontrados e compreender que ele a amava e não sabia como dizê-lo. O afeto
paterno era evidente na atenção e no cuidado cotidiano, mas ele era tão
exagerado em seu zelo que a sufocava na maioria das vezes. Não sabia demonstrar
ternura e tampouco dosar qualquer gesto de preocupação, transparecendo apenas
uma postura autoritária desagradável.
A mãe quase a
enlouqueceu. Era seca e frívola, movida pelas aparências, preocupando-se o
tempo todo com “o que os outros vão pensar”. E a pobre menina cresceu... amada
pelo pai – que não sabia como mostrar tal amor – e desprezada pela mãe – que nunca
conseguiu disfarçar como ela a incomodava com seus constantes apelos por afeto.
Conhecemo-nos no
internato, há quase cinco décadas, e me tornei sua amiga e confidente.
Dividíamos dores e doces que nossas famílias distantes mandavam. Estudávamos
juntas – assim como aprendemos a fumar e a namorar. Nunca mais perdemos contato
e fui a fiel depositária de suas tristes memórias. Fiquei sabendo que ela
morreu na última terça-feira, em pleno Carnaval.
Minha amiga partiu em busca
do afeto materno que não conheceu e do amor declarado de um pai. Foi embora da
forma como viveu, em um desencontro de emoções – desta vez, ironicamente, como
personagem de uma tragédia envolvendo a ela e a um carro desgovernado, com um
Pierrô bêbado na direção. Minha amiga, o avesso de uma Colombina, partiu
acompanhada pelo lamento rouco de uma cuíca.
Até quando alcoolizados
inconsequentes continuarão ceifando vidas? Sonho com um Carnaval em que
Colombinas e Pierrôs se encontrem, antes e depois da folia, e a vida continue,
com nossa incessante busca pelo afeto.
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