03 junho 2015

Os animálculos

Lynn Margulis & Dorion Sagan

Os microrganismos eram uma curiosidade, uma espécie de espetáculo secundário da história natural, até se perceber que alguns deles provocavam doenças. Anton von Leeuwenhoek, inventor de uma versão primitiva de microscópio na década de 1670, descreveu esse seres como ‘animálculos’ – animais minúsculos. Impressionaram-se com seu movimento rápido, suas formas estranhas e sua simples quantidade. Em 1831, Agostino Bassi (1773-1856), um estudante italiano de direito que era parcialmente cego, provou a existência das infecções, ao disseminar a muscardina (doença do bicho-da-seda) de uma larva infectada por um fungo para outra. Ainda assim, uma geração depois de Bassi haver mostrado que a doença não surgia espontaneamente, até Pasteur achava que as bactérias eram apenas agentes de decomposição.

Um momento decisivo ocorreu quando Robert Koch (1843-1910) encontrou bactérias no sangue de vacas atacadas de antraz. [...]

Finalmente a teoria do contágio microbiano foi amplamente aceita. Tipos diferentes de bactérias foram implicados no antraz, na gonorréia, na febre tifóide e na lepra. Os micróbios, antes pequenas anomalias divertidas, foram transformados em demônios. Pasteur, e depois dele Howard Hughes, tinha fobia à sujeira e aos germes. Evitava os apertos de mão. Esfregava e secava a louça de barro que utilizava, procurando meticulosamente indícios de madeira, lã e outros detritos em seus alimentos. Não mais sendo um escândalo divertido para as conversas de salão, os micróbios transformaram-se num ‘outro’ virulento, a ser destruído. A metáfora das tenazes bactérias infecciosas foi usada na retórica nazista do genocídio. Hoje em dia, a baixa estima que se tem pelas bactérias, como ‘agentes patológicos’ liliputianos, continua a obscurecer sua enorme importância para o bem-estar de todo o restante da vida.
[...]

Fonte: Margulis, L. & Sagan, D. 2002. O que é vida? RJ, Jorge Zahar.

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