07 fevereiro 2016

Mortos-vivos na paisagem tropical

Felipe A. P. L. Costa

Ao longo das últimas décadas, a destruição e a fragmentação de hábitats promovidas pela nossa espécie aceleraram em muito as taxas naturais de extinção – tanto o desaparecimento de populações locais como a extinção global de espécies. No atual ritmo de destruição, em breve a paisagem tropical será formada por umas poucas ilhas de vegetação nativa mergulhadas em uma matriz de áreas empobrecidas ou degradadas – e.g., pequenos remanescentes florestais cercados por extensas áreas de pastagens.

De modo semelhante ao que acontece com as ilhas oceânicas, o tamanho e o grau de isolamento desses fragmentos afetam em cheio a biodiversidade e o tempo de persistência das espécies que sobrevivem dentro deles. O pior dos mundos para uma ilha de vegetação é ela ser pequena e estar longe de outras áreas semelhantes, pois a perda de espécies é mais rápida e fácil em fragmentos pequenos e isolados, ao mesmo tempo em que a recolonização se torna mais lenta e difícil [...].

Todavia, se por um lado a destruição física de hábitats tem um impacto mais ou menos imediato sobre populações e comunidades ecológicas, as consequências negativas da fragmentação nem sempre são óbvias e, portanto, nem sempre são percebidas com facilidade e rapidez [...]. Grandes vertebrados terrestres, por exemplo, podem desaparecer logo após a fragmentação de seu hábitat; em outros casos, porém, os efeitos demoram a surgir, dando a falsa e perigosa impressão de que muitas espécies conseguirão persistir, mais do que de fato termina ocorrendo. Equívocos desse tipo devem ser mais comuns com populações de organismos longevos, como árvores de grande porte.

Uma análise populacional com base apenas na presença de árvores adultas, por exemplo, pode ser enganosa. O exame de certos atributos (sistema reprodutivo, grau de tolerância ao endocruzamento etc.) das espécies presentes e das novas circunstâncias ecológicas (ausência de polinizadores ou de dispersores, elevação na taxa de mortalidade etc.) pode revelar que o fragmento remanescente é, apesar de uma boa aparência geral, habitado por inúmeros ‘mortos-vivos’: árvores adultas, vivas e fisiologicamente sadias, mas que não conseguem mais produzir seus próprios descendentes. Assim, as árvores não conseguem florescer; se florescem, não conseguem frutificar; se frutificam, suas sementes não são espalhadas; se são espalhadas, as sementes não mais encontram locais propícios para germinar e se estabelecer...
[...]

Fonte: Costa, F. A. P. L. 2014. Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas, 2ª edição. Viçosa, Edição do Autor.

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