29 janeiro 2016

A última geração literária

Zuenir Ventura

A geração de 68 talvez tenha sido a última geração literária do Brasil – pelo menos no sentido em que seu aprendizado intelectual e sua percepção estética foram forjados pela leitura. Foi criada lendo, pode-se dizer, mais do que vendo.

As moças e rapazes de então já começavam a preferir o cinema e o rock, mas as suas cabeças tinham sido feitas basicamente pelos livros. O filósofo José Américo Pessanha prefere chamá-la de “última geração loquaz”, em que “uma formação altamente literalizada lhe deu o gosto da palavra argumentativa”. Da palavra argumentativa e do palavrão, que foi na época a expressão mais escandalosa da, digamos, ‘revolução verbal’. O palavrão, claro, não foi inventado em 68, mas neste ano ele deixou de ser nome feio e passou a frequentar as mais jovens e delicadas bocas, em todos os lugares. Nelson Rodrigues lamentava não conhecer “O Padre Ávila, ou outro sociólogo, ou quem sabe um psicanalista”, para perguntar: “Há ou não, por todo o Brasil, a doença infantil do palavrão?” Segundo ele, se retirassem os palavrões de O rei da vela, por exemplo, a peça “não ficaria de pé cinco minutos”.

Estudando os jovens que se formaram depois – A geração AI-5 –, o sociólogo Luciano Martins constatou um fenômeno inverso: estes são, talvez por reação, de poucas palavras. Luciano notou que a ‘desarticulação do discurso’ foi – ao lado do culto da droga e do modismo psicanalítico – uma das características dos jovens de classe média urbana que, do final de 68 até 75, ficaram expostos à ‘cultura autoritária’. Foi a geração da linguagem indeterminada, ‘unidimensional’ – do barato, curtir, transar, pintar.
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Fonte: Ventura, Z. 1988. 1968: O ano que não terminou, 16ª edição. RJ, Nova Fronteira.

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