A última geração literária
Zuenir Ventura
A geração de 68 talvez
tenha sido a última geração literária do Brasil – pelo menos no sentido em que
seu aprendizado intelectual e sua percepção estética foram forjados pela
leitura. Foi criada lendo, pode-se dizer, mais do que vendo.
As moças e rapazes de
então já começavam a preferir o cinema e o rock,
mas as suas cabeças tinham sido feitas basicamente pelos livros. O filósofo
José Américo Pessanha prefere chamá-la de “última geração loquaz”, em que “uma
formação altamente literalizada lhe deu o gosto da palavra argumentativa”. Da
palavra argumentativa e do palavrão, que foi na época a expressão mais
escandalosa da, digamos, ‘revolução verbal’. O palavrão, claro, não foi
inventado em 68, mas neste ano ele deixou de ser nome feio e passou a frequentar
as mais jovens e delicadas bocas, em todos os lugares. Nelson Rodrigues
lamentava não conhecer “O Padre Ávila, ou outro sociólogo, ou quem sabe um
psicanalista”, para perguntar: “Há ou não, por todo o Brasil, a doença infantil
do palavrão?” Segundo ele, se retirassem os palavrões de O rei da vela, por exemplo, a peça “não ficaria de pé cinco minutos”.
Estudando os jovens que
se formaram depois – A geração AI-5 –,
o sociólogo Luciano Martins constatou um fenômeno inverso: estes são, talvez
por reação, de poucas palavras. Luciano notou que a ‘desarticulação do discurso’
foi – ao lado do culto da droga e do modismo psicanalítico – uma das
características dos jovens de classe média urbana que, do final de 68 até 75,
ficaram expostos à ‘cultura autoritária’. Foi a geração da linguagem
indeterminada, ‘unidimensional’ – do barato,
curtir, transar, pintar.
[...]
Fonte: Ventura, Z. 1988. 1968: O ano que não terminou, 16ª edição.
RJ, Nova Fronteira.
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