16 fevereiro 2016

O fantasma do latifúndio

Bueno de Rivera

As mãos sustendo as árvores, a cabeça
como um barco nas nuvens,
o olhar morto como um sol gelado
no oceano sem portos e distâncias.
É o rei do descampado,
dormindo sobre as ervas milenárias
rosas selvagens, sapos, pirilampos.

Rompe o pranto nas ruas alagadas,
é o suor dos milhões em desespero.
Os dedos aflitos brotam como espigas.
Lábios frios,
agonias proletárias, música de ódio
e um berço afogado.

Sonho de estâncias, ninhos e varandas,
mangueiras, sítios brancos, rosas tímidas,
colonos, canto de galo, as madrugadas
murcham no outono das cidades,
nos prédios como túmulos.

Mas o espectro secular habita o tempo,
os quilômetros, os rios e os desejos.
É o espantalho das pombas, solitário
sem ânsias, sem limites e problemas.
Os pés medindo o espaço, olho parado,
a cabeça serena como a lua.
Dorme como um boi na eternidade.

Fonte: Rivera, B. 2003. Melhores poemas de Bueno de Rivera. SP, Global. Poema publicado em livro em 1944.

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