08 fevereiro 2016

Forte abandonado

Goulart de Andrade

De pé, no promontório, encravado na bronca
Penedia, onde o mar atropelado ronca,
Ribomba, estoura, estruge, espoca, estronda, esbarra,
Abandonado avulta o vigia da barra!
Ó naus, podeis entrar! Podeis vir, exilados,
Peixes, que íeis buscar abrigo em outros lados,
Quando o bruto estridor dos canhões sacudia
O fraguedo; e a fumaça o almo esplendor do dia
No firmamento azul, empanava de chofre,
Saturando todo o ar de salitre e de enxofre!
Pássaros, volitai! Nada aqui vos aterra:
As máquinas de morte estendem-se por terra,
Frias, mudas, sem mais aquele brilho antigo
Que era para a pupila um ríspido castigo!
No muro, em cada frincha, a grama brota inculta,
Cobre as trincheiras, enche as guaritas, oculta
As arestas, contorna as ameias, procura
Tapar a barbacã com a trama verde-escura!
Agora o rubro aqui, aparece ridente,
Não em funda ferida estuando um sangue ardente
E impetuoso de heróis varados nas batalhas,
Mas em flores gentis desbrochando nas talhas
Do molhe de granito! Os rumores de passos
E toques de clarins não enchem os espaços
Agora! E que contraste: estes ruídos, maninhos,
Mortíferos canhões, guardam ninhos e ninhos,
Paz e Amor!... Pode a abelha as melífluas colmeias
Fabricar sem temor, ao longo das ameias!
Pode aqui vicejar a tímida violeta!
Pode adejar a iriante e inquieta borboleta!
Sempre azul seja o céu! A liana filiforme
Medre e floresça! A brisa em fruto a flor transforme!
Venha o rijo Aquilão soprar a pulmão pleno!
Venha a Lua banhar de luz o terrapleno!
Venha aqui dentro o Sol e esta terra fecunde!
Venha o musgo crescendo e a muralha circunde!
Venha gemer o mar, que espumarento, esbarra
No rochedo em que dorme o vigia da barra!

Fonte: Martins, W. 1977. História da inteligência brasileira, vol. 5. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1907.

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