Poema terciário
Domingos Carvalho da Silva
Cavalos já foram pombos
de asas de nuvem. Um rio
banhava o rosto da
aurora.
Cavalos já foram pombos
na madrugada do outrora.
Onde há florestas havia
golfos oblongos por onde
tranquilos peixes
corriam.
Uma lua alvissareira
passava à noite. E
deixava
reticências de cometa
vagalumiando na relva
das margens, até à aurora
da Idade de Ouro do
outrora,
quando cavalos alados
tinham estrelas nas
crinas
alvas como asas de pombo.
O Verbo não existia.
Deus era incriado ainda.
Só as esponjas dormitavam
trespassadas por espadas
de água metálica,
impoluta.
E as gaivotas planejavam
etapas estratosféricas
próximo as praias
ibéricas.
E as montanhas desabavam
em estertores terciários,
em agonias de estrondo,
nas manhãs de sol
atlântico,
quando cortavam as nuvens
– alvos, garbosos equinos
–
esquadrões marciais de
pombos.
Teu cabelo era ainda
musgo.
Teus olhos o corpo frio
de uma ostra semiviva.
E tua alma sempre-viva
Sobrenadava o oceano
qual uma estrela perdida.
Teu coração era concha
fechada e sem pulsação.
E teu gesto – que é teu
riso –
era um mineral estático
ainda não escavado
pelo mar duro e
fleumático.
Cavalos já foram pombos.
E a prata que anda na
garra
dos felinos, reluzia
em vibrações uterinas
no ventre da terra fria,
quando o dia era só
aurora
e Deus sequer existia,
na madrugada do outrora.
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