Carrego as estações
Carlos Felipe Moisés
Carrego as estações
comigo
e tenho as mãos cansadas.
No bolso esquerdo um
riacho murmura.
Ali, onde pequenas pedras
se acumulam,
uma canção exala seu
vapor,
depois se perde.
Jardins de primavera
circulam no meu corpo,
um céu de ouro verte seu
perfume
e um vento ignorado agita
suas asas.
Pasto de segredos,
mescla de memória e
desejo,
meu corpo caminha com a
chuva
(carrego as estações
comigo),
à procura do sonho de uma
nuvem fria.
Tantas folhas trago nos
braços
que um pássaro,
solidário, se oferece
para carregar as estações
comigo.
Do peito aberto os meus
jardins se vão
e o pássaro me ajuda (memória
e desejo) a semear meu
corpo.
Ali planto meus braços,
debaixo daquelas árvores
meus olhos ficam,
os pés, roídos pela
terra, penduro numa árvore
e o tronco multiplico em
cem pedaços –
lá vai, junto com as
pedras,
no bojo do riacho antigo.
E pois que carrego as
estações comigo,
os lábios deixo além, no
descampado,
e peço ao pássaro que
pelos cabelos atire
o que sobrou de mim
àquele mar onde me espera
a memória
e o desejo do tempo em
que não soube
carregar as estações
comigo.
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