Poética da destruição
José Augusto Pádua
Em 1845, o poeta e pintor
Manuel de Araújo Porto-Alegre publicou um longo poema, depois inserido na série
Brasilianas, intitulado ‘A destruição
das florestas’. A obra compunha-se de três cantos – a ‘Derribada’, a ‘Queimada’
e a ‘Meditação’. Porto-Alegre estava longe de ser um opositor da ordem social e
econômica do império. Amigo pessoal de Pedro II, professor da Academia de Belas
Artes, secretário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, diretor de
uma das seções do Museu Nacional, poucos personagens no Brasil da época
circulavam com tanta desenvoltura pelos círculos oficiais. No que se refere ao
desaparecimento das florestas, no entanto, sua oposição era dura e quase
desesperada.
A crítica de Porto-Alegre
manifestava, em primeiro lugar, um sofrimento individual e subjetivo, uma
espécie de dor estética pela destruição de algo imensamente belo e generoso (e
pela perspectiva de viver em uma paisagem onde essa realidade não mais
existisse): “Choro dos bosques a beleza imensa/Choro das fontes o benigno
amparo/Dos rios a riqueza e o ar saudável/Que as florestas expandem do seu seio”;
“Não é vida ante os olhos ter constante/De um hórrido esqueleto a árida imagem/E
um quadro carcomido e lacerado/Pelo trado do verme do egoísmo”.
Note-se, de passagem, que
aqui aparece novamente a teoria do dessecamento – a ligação das florestas com a
umidade, as fontes e os rios. As florestas não representavam um elemento
isolado no território brasileiro, mas sim a base do seu equilíbrio e
vitalidade. Chorando a sorte das florestas, o autor estava também lamentando a
degradação do país como um todo. Além do sentimento subjetivo, esse lamento
envolvida uma preocupação política. O que vamos encontrar por detrás dos versos
de Porto-Alegre, na verdade, será a reafirmação de algumas das teses que já
vinham marcando a crítica ambiental brasileira. A influência decisiva derivada
do próprio José Bonifácio, que o poeta conheceu pessoalmente no final da década
de 1820 e por quem tinha, segundo testemunhas, “uma espécie de adoração”. Uma
dessas teses era a de que a destruição das florestas colocava graves riscos
para a sobrevivência do Brasil enquanto tal: “Um vulcão se ateou que tudo
assola/Mudas leis, que o porvir de trevas cobrem/Cavam abismos, sorvedouros
abrem/Ante o futuro deste Império imenso”.
[...]
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