A imprensa como ela é
Euro Arantes
O leitor que diariamente
sai à rua para comprar ‘o seu jornal’ está pagando para ser ludibriado.
A notícia era apenas isso:
“Dois namorados,
modestamente vestidos, passeavam ontem na Pampulha, quando foram colhidos por
um caminhão da Standard Oil (hoje Esso), que rodava em direção a Belo
Horizonte, transportando 6.000 litros de óleo destinados à Prefeitura da
Capital. Os dois jovens, que mais tarde foram identificados como sendo Fulano e
Fulana, tiveram morte imediata e o motorista foi preso por um inspetor de
veículos que, casualmente, passava pelo local.”
Mas acontece que cada
jornal costuma sempre interpretar os fatos ao seu modo e o resultado foi que,
no dia seguinte, os nossos matutinos (com exceção do Informador Comercial, que é órgão especializado, e do Estado de Minas, que só publica anúncios,
e por isso não noticiaram o fato) apareceram com os seguintes títulos:
Folha de Minas (jornal do
governo)
“Notável eficiência do
Serviço Estadual de Trânsito” – “O inspetor prendeu em flagrante o motorista
assassino” – “O governador visitou pessoalmente as duas famílias enlutadas” – “Aberto
rigoroso inquérito por ordem da Chefia de Polícia.”
O Diário (jornal da Cúria Metropolitana)
“Castigados os infiéis” –
“Entregavam-se à prática de atos imorais, quando foram colhidos por um caminhão.”
Tribuna de Minas (de propriedade
do ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros)
“Ademar de Barros está
com o povo” – “Amparada pela caixinha
do ex-governador de São Paulo, a família do rapaz que faleceu ontem na Pampulha.”
Diário de Minas (do sr.
Otacílio Negrão de Lima, inimigo público do prefeito da Capital)
“Responsável é o prefeito
Américo René Giannetti” – “O veículo estava desenvolvendo velocidade excessiva
porque o Visconde tinha pressa em receber a mercadoria” – “Para o sr. Giannetti
duas vidas valem menos do que 6.000 litros de óleo.”
Jornal do Povo (órgão do
antigo Partido Comunista)
“Proletários brasileiros
vítimas do imperialismo norte-americano” – “Cena revoltante na Pampulha: dois
humildes operários nacionais esmagados sob as rodas de um possante caminhão da
Standard Oil.”
Fonte: Rabêlo, J. M.
1997. Binômio: edição histórica. BH,
Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.
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