A denúncia do ódio racial
Malthus de Paula
A denúncia comprovada de
racismo em Belo Horizonte contra negros e judeus provocou uma CPI na Assembleia
Legislativa e intensa repercussão em Minas e em outros estados. Caio Mário da
Silva Pereira, mais tarde presidente nacional da OAB e então secretário de Segurança,
mandou instaurar inquérito policial para apurar os fatos. Também serviu para
abrir a cortina de falsidade de uma época que apartava os pretos em voz baixa e
falava alto em democracia racial.
Como qualquer repórter de
19 anos, recebi o desafio de destampar a latrina dos dejetos morais de Hitler,
Ku Klux Klan e de nós mesmos, cujas emanações o vento levava aos anúncios de
emprego, às pinturas de suásticas nos muros, às notícias de recusa de um
engenheiro judeu no Automóvel Clube, no Campestre e no Country e à negativa de
hospedagem de estudantes africanos pelo Brasil Palace Hotel.
Já alguns anos atrás, o repórter
A. Ponce de León fizera essa dramática denúncia. Agora o jornal me encarregou,
juntamente com o repórter fotográfico Edgar Maciel, de comprovar que a
discriminação racial continuava sendo praticada em Belo Horizonte.
Um gravador na redação
registrara a reserva de um lugar em nome de Osvaldo Catarino Evaristo no Hotel
Amazonas, então um dos melhores da cidade. O poeta e ex-pracinha, de terno de
linho branco, abotoaduras de luxo e chapéu gelot, se dirigiu para lá e percebeu
logo a hostilidade do ambiente: teve que carregar suas malas, pois ninguém na
recepção lhe deu atenção. Ao descobrir que o autor do pedido de reserva era um negro,
o recepcionista que estava na portaria, o mesmo que atendera o telefonema
poucos minutos antes, respondeu com desprezo:
– Lamentavelmente houve
um engano. Não temos quarto para o senhor aqui...
Não adiantou argumentar,
dizer que a reserva tinha sido feita, que constituía um direito seu ser aceito
em qualquer hotel, etc. O poeta e ex-pracinha, que pôde defender o Brasil nos
campos de batalha, não merecia uma vaga no estabelecimento. E nós sabíamos que
seria mesmo assim, pois o hotel se tornara conhecido por seguidos casos de
racismo.
Osvaldo Catarino juntou
suas malas, de luto de si mesmo, repetindo a cena do poeta americano Langston Hughes, no dia em fora expulso de um jardim de infância e que anos mais tarde
traduziria em seu verso de protesto: “Eu também sou América”.
Para os donos do hotel, o
ex-pracinha não era Brasil.
As denúncias do Binômio podem não ter mudado a situação,
mas estou certo – tantos anos depois – de que representaram uma contribuição
generosa para o debate desse câncer ainda hoje presente entre nós: a
discriminação racial.
Fonte: Rabêlo, J. M.
1997. Binômio: edição histórica. BH,
Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.
1 Comentários:
Osvaldo Catarino Evaristo que e simplesmente tio da genial escritora Conceicao Evaristo.
Postar um comentário
<< Home