10 outubro 2017

Lagartos brasileiros

Verônica de Novaes e Silva & Alexandre F. B. Araújo

Os lagartos constituem um dos grupos mais ricos e diversificados de répteis. A riqueza do grupo e a extensão geográfica de sua área de distribuição nos Neotrópicos são bastante expressivas. Só no Brasil, já foram registradas mais de 220 espécies de lagartos, abrangendo um total de dez famílias diferentes. Cinco dessas famílias (Iguanidae, Hoplocercidae, Tropiduridae, Polychrotidae e Leiosauridae) pertencem ao grupo Iguania, enquanto as outras cinco (Teiidae, Gymnophthalmidae, Scincidae, Gekkonidae e Anguidae) pertencem ao grupo Scleroglossa, que também inclui as serpentes e as anfisbenas. Juntos, os grupos Iguania e Scleroglossa formam a ordem Squamata, reunindo assim serpentes, lagartos e anfisbenas.

Apesar de toda essa riqueza, há um acentuado grau de desinformação sobre a relevância biológica dos lagartos, o que tem gerado pouco ou nenhum interesse pela proteção desses animais. Espécies endêmicas (e.g., Cnemidophorus parecis e Liolaemus lutzae) de regiões sujeitas a processos de modificações aceleradas, como o cerrado e o litoral do Sudeste, correm sério risco de desaparecer [...]. Para organismos tão pouco carismáticos como os lagartos, em torno dos quais proliferam preconceitos e noções distorcidas, a situação torna-se particularmente crítica e preocupante.

Nos centros urbanos, por exemplo, o fato de apenas uma pequena parcela do elevado número de espécies brasileiras de lagartos ser facilmente avistada, frequentemente em locais pouco ou nada atraentes, como banheiros (lagartixas, Hemidactylus mabouia), terrenos baldios (calangos-verdes, Ameiva ameiva) e bueiros (calangos, Tropidurus torquatus), leva o cidadão comum a detratar fortemente todo o grupo. Em locais menos urbanizados, onde é possível encontrar um maior número de espécies, é comum ouvir relatos de moradores nos quais os lagartos assumem características e atitudes suspeitas e potencialmente perigosas aos seres humanos, evidenciando um acentuado preconceito cultural. Uma senhora informou que existem lagartixas na Amazônia que chupam o sangue das pessoas, enfraquecendo-as e causando anemias. O relato foi feito com convicção irrefutável e exemplificado por vários ‘casos’. Uma família baiana não repelia e até se alimentava de calangos-verdes (Ameiva ameiva), mas os meninos do local ficavam especialmente assustados ao avistar o animal, comentando sobre o perigo de ser mordido por aqueles “dentes enormes”. Em uma fazenda goiana, um bicho-preguiça (o camaleão Polychrus acutirostris) escalava uma trepadeira, enquanto os meninos que o observavam ficaram amedrontados ao ver aquele animal “perigosíssimo”, “que tinha o hábito de grudar nas pessoas e só se soltar com o barulho de um trovão ou de um avião passando”.
[...]

Fonte: Silva, V. N. & Araújo, A. F. B. 2008. Ecologia dos lagartos brasileiros. RJ, Technical Books.

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