Florestas densas e savanas
Richard Wettstein
É sempre uma experiência
interessante tomar um trem da São Paulo Railway, para viajar de Santos a São
Paulo. Poucos trechos ferroviários existem, como esse, que, em espaço e tempo
tão curtos, permite ao viajante conhecedor de fitogeografia e fitoecologia
colher aspectos de vegetação em tal quantidade e variedade. Logo após deixar a
cidade o trem atravessa o mangue que se prolonga muito ao pé da serra. No
período da maré cheia, o mangue tem aparência de uma área alagada coberta de
arbustos e pequenas árvores, mostrando outro aspecto característico no período
da maré vazante, quando por todos os lados aparecem o lodo denso e negro e as
arqueadas raízes de escora de muitas plantas lenhosas, que servem de apoio às copas.
Lentamente se eleva o trecho ferroviário, tanto mais quanto se aproxima do pé
da serra, na encosta oriental do planalto sul-brasileiro. Atravessam-se
rapidamente algumas plantações, especialmente bananais bastante carregados;
aparecem, cada vez com maior frequência, isoladamente, árvores e palmeiras
cheias de epífitas, como sinais precursores da mata tropical, até que, em
Piaçaguera, a poucos quilômetros de distância de Santos, alcança-se a orla da
mata. Começa, então, o trecho de estrada de ferro em plano inclinado,
audaciosamente construído, que em pouco tempo vence uma diferença de nível de
cerca de 800 metros, levando-nos ao cume da serra, ao planalto demarcado pela
Estação de Paranapiacaba. As encostas recém-deixadas dão, ao viajante que se
aproxima por mar da parte sul do território brasileiro, a impressão de uma
serra que se eleva repentinamente e são, a perder de vista, cobertas de
florestas pluviais tropicais. Olhando ora a base, ora o alto, por cima das
copas, o viajante recebe impressões magníficas: nas proximidades imediatas
desenrolam-se quadros típicos da exuberância e originalidade tropicais. Muito
ao longe o olhar alcança as encostas da serra de Paranapiacaba, cobertas de
matas escuras até o Vale do rio Mogi, profundamente rasgado, o qual, com
pequeno volume de água, alcança o mar, visível no horizonte. Quando se deixa a
Estação de Paranapiacaba, a paisagem se modifica bruscamente. A mata está cada
vez mais distante, e se aproxima a formação mais característica do segundo tipo
de vegetação principal do sul do Brasil, a verdejante ‘savana’, o campo. A
diferença entre a mata da região costeira e a região do interior rica em
savanas mostra-se, neste trecho ferroviário, com muita nitidez, porque o homem,
nas cercanias da populosa capital, com a finalidade inicial de obter pastagens,
destruiu matas favorecendo o desenvolvimento de ‘savanas’. [...]
Fonte: Wettstein, R. R. v. 1970 [1904]. Aspectos da vegetação do sul do Brasil. SP,
Edgar Blücher & Edusp.
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