In memoriam
Egito Gonçalves
Um dia para ti confusa boca eu fui
na névoa de um comboio que afastava
a memória dos corpos. Clarões
intermitentes ofuscavam a janela
que a noite embaciava e entre carris
rasgava já uma dor que nem nascera.
Não sabíamos que afinal
na escrita
se perdia o rosto. Que buscá-lo
era lavrar o inverno, dispor
os ácidos, desalinhar o incenso. Quando
o gelo funde ainda lembro
resinas, esfarrapados nimbus,
uma pedra estriada que algum dia
fotografei para logo perder. O eco
repercute na folha de papel
que do título esperava certamente
uma elegia. Escondo-me
atrás de persianas que me escondem
as veredas onde poderia acaso
outra voz ter nascido.
Fonte: Silva, A. C. &
Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em
livro em 1995.
0 Comentários:
Postar um comentário
<< Home