08 abril 2018

Leia, Lula, leia


Uma das poucas coisas que sempre me incomodaram nas falas do ex-presidente Lula é a sua aparente aversão à leitura.

Estaria ele apenas fazendo tipo ou é para valer? Não sei ao certo.

O que sei é que nunca é tarde para alguém se apaixonar, seja pela leitura, seja pela escrita. Os exemplos de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas (1889-1985), a Cora Coralina, e de Carolina Maria de Jesus (1914-1977) são bem conhecidos e não me deixam mentir.

A partir deste sábado (7/4), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornou o preso político n. 1 do país – seguramente o preso político mais conhecido em todo o mundo, às vésperas de se tornar candidato ao Nobel da Paz.

Ao que parece, a cela a ser ocupada por ele, nas dependências da PF de Curitiba, é um cubículo ultrajante e vulnerável, bem diferente da tal ‘sala especial’ que a assessoria da polícia e a mídia estiveram a divulgar [1].

Sugestões iniciais

Seja como for, presidente, vai aqui uma primeira sugestão: caso a cela destinada ao sr. tenha TV, frigobar e chuveiro elétrico, peça aos responsáveis para que eles removam ou desliguem a TV e o chuveiro. Livre-se dessas coisas. Evite a programação tóxica que a maioria das emissoras de TV coloca no ar. E banhos de água quente só lhe fariam mal – em caso de dúvida, converse com o seu médico sobre isso.

Barganhe a saída dessas coisas por livros... Mas não qualquer livro. Evite ler por mero entretenimento. Leia coisas que alimentarão sua mente e seu espírito. Cuide do corpo, mas, nesses dias de provação, leia coisas que façam a sua cabeça ‘borbulhar’, como uma jovem leitora me disse, dias atrás.

Pensando nisso, e com base na biblioteca de um sem-teto que conheço, tomei a iniciativa de preparar uma primeira lista com cinco sugestões. Ai vão elas...

Primeira sugestão: Em defesa de um matemático (Martins Fontes 2000 [1967]), de G. H. Hardy, em tradução de Luís Carlos Borges. Não se deixe assustar pelas poucas expressões numéricas presentes na obra. O ensaio de Hardy, relativamente curto, é antecedido por uma introdução, ocupando a primeira metade do volume e que é assinada pelo escritor inglês C. [Charles] P. [Percy] Snow (1905-1980). Esqueça os britânicos malandros e vis, tipo Winston Churchill (1874-1965) [2]. Trata-se de um livro escrito por um cavalheiro inglês, a ser lido agora por um cavalheiro brasileiro.

Segunda: História natural dos ricos (Zahar, 2004), de Richard Conniff, em tradução de Lúcia Ribeiro da Silva. O sr. certamente já leu, folheou ou ouviu falar de obras como A história da riqueza do homem (1936), de Leo Huberman, e As veias abertas da América Latina (1971), de Eduardo Galeano. Pois o livro de Conniff aborda mais ou menos a mesma questão, só que de um ponto de vista comportamental; neste sentido, formaria uma pequena tríade com aqueles dois.

Terceira: O dilema do onívoro (Intrínseca, 2007), de Michael Pollan, em tradução de Cláudio Figueiredo. Sei que gosta (ou gostava) de churrasco. Aliás, uma de suas imagens em família mais icônicas, durante os anos à frente do Executivo, talvez tenha sido aquela foto na praia, com uma caixa de isopor sobre a cabeça e seguido de perto por d. Marisa. A proposta do livro não é discutir a dieta em termos nutricionais – vegana, vegetariana ou onívora? –, mas chamar a atenção para a origem dos alimentos que consumimos, defendendo a ideia de que devemos valorizar a produção local.

Quarta: A vida no limite (Zahar, 2002), de Frances Ashcroft, em tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Por que o sr. sentiu frio quando esteve na Antártida? E por que aquela sensação de falta de ar na altitude de La Paz? Por que é mais fácil alguém morrer de sede do que de fome? E o que os sertanejos – a custo zero ou quase isso – poderiam fazer para melhorar a sensação de bem-estar no interior da casa deles?

Quinta... Pensando bem, as quatro acima já devem lhe ocupar durante a primeira semana. É melhor então eu deixar a quinta para depois.

Uma derradeira sugestão: não deixe de ter sempre ao lado um caderno onde possa fazer anotações sobre o que está lendo. (E sempre date as suas anotações.)

Por ora, era isso.

Saudações & inté.

Notas

[1] Ver matéria ‘Lula ficará numa tranca em Curitiba, quase uma solitária, e não no que Moro chamou de Sala de Estado Maior’, de Kiko Nogueira, publicada pelo DCM, em 7/4/2018.
[2] Ver matéria ‘Winston Churchill accused of genocide by Indian politician’, de Joshua Robertson, publicada pelo The Guardian, em 4/9/2017.

[Nota adicional: para conhecer outros artigos e livros do autor, ver aqui.]

1 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Parabéns Felipe, torço para que Lula leia sua lista no conforto do lar e não na solidão do cárcere!

12/4/18 09:11  

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