E se morrer não for tão ruim quanto pensamos?
Jessica Brown
“A ideia da morte, o medo dela, persegue o animal humano como nenhuma outra coisa”, escreveu Ernest Becker em seu livro A negação da morte. É um medo forte o suficiente a ponto de nos fazer engolir folhas de couve, correr suados sobre uma esteira às sete da manhã de uma segunda-feira e mostrar nossos órgãos genitais a um estranho de mãos frias e jaleco branco se nós sentimos que algo está um pouco errado.
Mas o nosso fim iminente não é apenas um provedor benevolente de comportamentos saudáveis. Pesquisadores descobriram que a morte pode determinar nossos preconceitos, se doamos para a caridade ou usamos protetor solar, nosso desejo de sermos famosos, o tipo de líder em quem votamos, como nomeamos nossos filhos e até o que achamos do aleitamento materno.
E, claro, a morte nos apavora. A angústia da morte parece estar no centro de vários distúrbios de saúde mental, incluindo hipocondria, transtorno de pânico e transtornos depressivos. E temos muito medo de falar sobre isso. Uma pesquisa de 2014 da ComRes descobriu que oito em cada dez britânicos se sentem desconfortáveis ao falar sobre a morte e que apenas um terço deles redigiu um testamento.
Mas nós não deveríamos nos preocupar tanto, segundo uma pesquisa que comparou nossa percepção de como seria morrer com os relatos de pessoas diante da morte iminente. Os pesquisadores analisaram os escritos de blogueiros assíduos com câncer terminal ou esclerose lateral amiotrófica (ALS), todos falecidos ao longo do estudo, comparando-os com postagens de blogues escritas por um grupo de participantes instruídos a imaginar que teriam sido diagnosticados com câncer terminal, tendo apenas alguns meses de vida. Eles procuraram por sentimentos gerais de positividade e negatividade e por palavras que descrevessem emoções positivas e negativas, incluindo felicidade, medo e terror.
As postagens dos doentes terminais tinham consideravelmente mais palavras positivas e menos palavras negativas do que as postagens dos que imaginavam estar moribundos – e o uso de linguagem positiva aumentou à medida que eles se aproximavam da morte.
Kurt Gray, um dos pesquisadores do estudo, disse: “Imagino que isso é porque eles sabem que as coisas estão ficando mais sérias e há algum tipo de aceitação e foco no lado positivo, pois eles sabem que não lhes resta muito tempo”.
Os pesquisadores compararam também as últimas palavras e a poesia de prisioneiros no corredor da morte com as de um grupo de pessoas incumbidas de imaginar que estariam perto de enfrentar uma execução. Mais uma vez, os prisioneiros usaram menos palavras negativas. No geral, aqueles diante da morte focaram mais nos aspectos significativos da vida, incluindo família e religião.
“Falamos o tempo todo sobre quão fisicamente adaptáveis nós somos, mas nós também somos mentalmente adaptáveis. Podemos estar felizes na prisão, no hospital, assim como podemos estar felizes à beira da morte”, disse Gray.
“Morrer não é apenas parte da condição humana, mas algo central a ela. Todo mundo morre e a maioria de nós tem medo disso. Nosso estudo é importante, pois está a dizer que isto não é tão universalmente ruim quanto pensávamos que fosse”.
Mas, antes que nos precipitemos, a pesquisa levanta algumas questões. Lisa Iverach, pesquisadora da Universidade de Sydney, explicou que o estudo ressalta como os participantes podem ter sido menos negativos em razão de o mistério em torno da morte ter sido removido.
“Indivíduos diante da morte iminente tiveram mais tempo para processar a ideia da morte e de morrer e, portanto, podem ser mais receptivos à inevitabilidade da morte. Eles têm também uma ideia muito boa sobre como irão morrer, o que pode trazer alguma sensação de paz ou aceitação”.
Mas nem todos nós sabemos de antemão como ou quando iremos morrer e, portanto, perdemos quaisquer benefícios que teríamos ao desnudar a incerteza.
Havi Carel, professora de filosofia da Universidade de Bristol, concorda com os achados do estudo sobre quão adaptáveis nós somos. “Acho que nos acostumamos com a ideia de morrer, assim como nos habituamos a muitas coisas. O choque inicial ao receber um prognóstico ruim é horrível, mas depois de meses ou anos vivendo com essa notícia, o medo diminui”, disse ela.
No entanto, Carel salientou também que há uma distinção importante entre respostas positivas e o fato de considerar algo agradável, e que existem alguns eventos desagradáveis e dolorosos que nós ainda assim vemos como positivos, como é o caso do parto.
“Blogues são escritos para consumo público e eles ficam lá após a morte das pessoas. Usar blogues e poesia consegue apenas revelar as emoções que as pessoas estão dispostas a compartilhar ou tão somente criam um modelo de como elas querem ser lembradas. As pessoas realmente dizem a verdade em seus blogues? Até certo ponto, talvez, visto que essas mídias são por demais públicas”, disse Carel.
“Talvez elas estejam ‘estampando a face valente’. É impossível dizer, mas os blogues evidentemente não são o modo mais íntimo de comunicação. Teria sido melhor usar diários, conversas gravadas com entes queridos ou mesmo cartas pessoais”.
Nathan Heflick, pesquisador e professor da Universidade de Lincoln, também alerta para o risco de os resultados serem interpretados como se as pessoas moribundas vissem a morte como uma experiência inteiramente positiva. “Acho que é uma mensagem perigosa e não é uma conclusão que aparece nos dados do estudo. Ser menos negativo é diferente de dar as boas-vindas ou de almejar a morte”, disse ele.
“Pessoas temem a morte. Essas pessoas moribundas temem a morte. Elas só não temem tanto quanto os outros acham que elas deveriam”.
Se o medo da morte é, de fato, tão inevitável como o evento em si – há uma mudança que podemos fazer para ajudar. Na cultura ocidental, nós tendemos a fingir que a morte não existe, enquanto uma pesquisa mostra que a filosofia da morte do yin e yang, do leste asiático – segundo a qual não pode haver vida sem morte –, permite aos indivíduos usar a morte como um lembrete para usufruir a vida.
“Acho que o Reino Unido e os Estados Unidos são culturas que negam a morte, nas quais esta é em geral evitada como assunto”, disse Heflick.
“Quanto menos se discute abertamente algo, mais assustador ele se torna. Embora, no curto prazo, deixar de falar sobre a morte possa reduzir um pouco o desconforto, isso provavelmente torna a maioria de nós muito mais angustiada, no longo prazo”.
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Nota
[1] O artigo original, ‘We fear death, but what if dying isn’t as bad as we think?’, foi publicado no The Guardian, em 25/6/2018. A tradução é de F. Ponce de León.
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