10 junho 2018

Prótase


Embora um vate canhoto
Dos loucos aumente a lista,
Seja Cisne ou gafanhoto,
Não encontra quem resista
Dos seus versos a leitura,
Que diverte, inda que é dura!
(F. X. de Novaes.)

No meu cantinho,
Encolhidinho,
Mansinho e quedo,
Banindo o medo;
Do torpe mundo,
Tão furibundo,
Em fria prosa
Fastidiosa –
O que estou vendo
Vou descrevendo.
Se de um quadrado
Fizer um ovo
N’isso dou provas
De escritor novo.

Sobre as abas sentado do Parnaso,
Pois que subir não pude ao alto cume,
Qual pobre, de um Mosteiro à Portaria,
De trovas fabriquei este volume.

Vazias de saber, e de prosápia,
Não tratam de Ariosto ou Lamartine
Nem recendem as doces ambrosias
De Lamiras famoso ou Ar[e]tine.

São rimas de tarelo, atropeladas,
Sem metro, sem cadência e sem bitola,
Que formam no papel um ziguezague,
Como os passos de rengo manquitola.

Grosseiras produções d’inculta mente,
Em horas de pachorra construídas;
Mas filhas de um bestunto que não rende
Torpe lisonja às almas fementidas.

São folhas de adurente cansanção,
Remédio para os parvos d’excelência;
Que aos arroubos cedendo da loucura,
Aspiram do poleiro alta eminência.

E podem colocar-se à retaguarda
Os venerandos sábios de influência;
Que o trovista respeita submisso,
Honra, pátria, virtude, inteligência.

Só corta, com vontade, nos malandros,
Que fazem da Nação seu Montepio;
No remisso empregado, sacripante,
No lorpa, no peralta e no vadio.

À frente parvalhões, heróis Quixotes,
Borrachudos Barões da traficância;
Quero ao templo levar do grão Sumano
Estas arcas pejadas de ignorância.

Fonte: Ferreira, S. 2017. Luiz Gama e a identidade negra na literatura. JF, Edição do autor. Poema – então sob o título de ‘Prólogo’ – publicado em livro em 1859.

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home

eXTReMe Tracker