22 julho 2018

O pequeno Togo derrota a elefantíase

Charu Sudan Kasturi

Anos depois da picada do mosquito, tudo ainda parece normal. É que a infecção se espalha silenciosamente. As pernas começam a inchar. Em seguida, é a vez dos braços e dos órgãos genitais. O corpo intumescido ingressa em um clube de doenças de aparência física indesejável, um dos maiores do mundo, com um total estimado de 120 milhões de membros, em mais de 70 países. Até o ano passado, 37 desses países estavam no continente africano. Então, uma improvável nação saiu do clube.

Um dos países africanos mais pobres, Togo é cercado por vizinhos mais ricos que, há décadas, lutam para derrotar a filariose linfática, uma doença tropical comumente conhecida como elefantíase (a infecção faz com que a pele das áreas inchadas se pareça com a pele enrugada dos elefantes). Potências mundiais ascendentes, Índia, Brasil e Indonésia também estão a travar uma guerra contra essa moléstia que desabilita ou desfigura uma em cada três vítimas. A malária é a única doença transmitida por vetor que infecta mais gente no mundo.

O feito de Togo, formalmente reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é o resultado de quase duas décadas de intervenções inteligentes, dizem os especialistas. A nação da África ocidental foi uma das primeiras a encarar o desafio feito pela OMS, nos anos de 1990, de erradicar a doença, disse Rachel Bronzan, uma epidemiologista da agência global de assistência médica Health and Development International.

Em 2000, após constatar que a elefantíase era endêmica em oito dos 40 distritos de Togo, os especialistas em saúde iniciaram um massivo programa de medicação que durou nove anos. Em 2006, uma rede de 47 laboratórios – ao menos um em cada distrito – começou a coletar amostras de sangue em busca da microfilária Wuchereria bancrofti, o verme nematoide por trás da doença, mesmo em distritos onde a elefantíase não era endêmica. Na época, nenhum outro país havia criado esse tipo de sistema de vigilância nacional.

O rigor por si só, no entanto, não foi o que levou o país ao sucesso. Um desafio: furos no sistema de pesquisa, aparentemente robusto. Em Togo, muitas famílias não registram as datas exatas de nascimento, dificultado assim identificar quem poderia receber as drogas (a OMS aconselha que se evite medicar crianças com menos de 5 anos). Mas o país encontrou soluções inovadoras para cada um desses desafios. “É um enorme sucesso e demonstra o compromisso de Togo com esse tipo de trabalho”, disse Bronzan. “Vários outros países poderiam tirar lições disso”.

Na verdade, o tamanho dá a Togo algumas vantagens diante de nações maiores. Cobrir uma população de 8 milhões é mais fácil do que uma de 200 milhões (Brasil) ou de 1,3 bilhão (Índia). Mas as nações em volta – como Burkina Fasso, Benim e Gana – têm populações igualmente pequenas e rendas per capita mais elevadas, porém a filariose linfática permanece endêmica por lá. E a dedicação de Togo para vencer a doença é algo que falta em gigantes como Índia e Brasil, dizem os especialistas.

Enquanto identificavam os distritos mais afetados pela doença, os profissionais de saúde de Togo constataram que a maioria dessas áreas já havia recebido tratamento contra a oncocercose, comumente chamada de ‘cegueira dos rios’. Togo adaptou o programa existente para administrar doses de albendazol, que trata de elefantíase, a todos os cidadãos visitados.

Togo também tem sido ágil em ajustar sua estratégia, quando necessário. Afinal, identificar comunidades vulneráveis e administrar drogas está correto e é bom, mas o que fazer com aqueles que já sofrem com o corpo inchado de modo tão grotesco? Em 2007, Togo capacitou um membro de cada uma das 570 unidades sanitárias do país, visando educar e cuidar de pacientes com a doença. “O programa procurou assegurar a sustentabilidade, a despeito de ajuda externa, por ser de baixo custo”, relata um artigo escrito por Yao Sodahlon e uma equipe internacional de cientistas, publicado em 2013 na revista PLOS Neglected Tropical Diseases.

Mais evidências do compromisso permanente de Togo? Em 2009, ao descobrir que alguns pequenos bolsões de sua população ainda não haviam sido pesquisados pelos 47 laboratórios, o país criou mais 20 unidades, especificamente para as comunidades negligenciadas.

Para enfrentar o desafio imposto pela falta de registros etários de muitas crianças, voluntários usaram varetas para medir a altura delas, adotando a medida como uma idade aproximada. E, embora seja o atual líder africano no combate à doença, Togo tem procurado colaborar com outros países. Ingressou em um projeto multinacional de combate a mortalidade na África ocidental, no qual cirurgiões locais eram treinados em procedimentos recomendados pela OMS. Em 2007 e 2008, os cirurgiões realizaram 215 de tais operações em Togo.

A confiança em soluções locais e regionais para muitos dos desafios impostos por essa batalha reduziu a dependência do país em relação à ajuda internacional, embora o apoio de agências globais, especialmente em relação ao suprimento de medicamentos, tenha tido um papel importante, dizem os especialistas. “O apoio vindo de agências internacionais também tem sido importante, tanto em termos financeiros como técnicos”, disse Bronzan. “Mas o sucesso reside em Togo”.

Os riscos subsistem, especialmente porque a doença permanece endêmica em países vizinhos. Em 2015, as autoridades identificaram um migrante vindo da Costa do Marfim que era portador da infecção. “Como isso é transmitido por mosquitos, o risco de entrada persiste”, disse Bronzan.

Mas o seu sólido sistema de vigilância dá a Togo uma vantagem em superar esses riscos. Quando se trata de enfrentar uma das doenças mais debilitantes do mundo, ficar um passo à frente é agora um hábito para Togo.

Nota

[1] Charu Sudan Kasturi é um jornalista estadunidense de origem indiana. O artigo original, ‘Tiny Togo conquered elephantiasis’, foi publicado na revista eletrônica OZY, em 17/7/2018. Ressalva: o artigo original abriga um erro grave e grosseiro – trata Wuchereria brancofti como uma bactéria, não como um verme netamoide (ver aqui), integrante do filo Nemata (ou Nematoda). Na versão acima, as duas passagens em que isso acontece (2º e 4º parágrafo) já foram ajustadas. Os ajustes e a tradução são de Felipe A. P. L. Costa.

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