Procelárias
Magalhães de Azeredo
Quando, no mar cavo e revolto,
Estala o raio e o vento berra,
Como um leão nas trevas solto;
E as ondas – líquidas montanhas –
Rolam; e d’essa horrenda guerra
Avultam, de hora em hora, as sanhas;
Seu ninho, aspérrimo rochedo,
As procelárias, brancas aves,
Deixam; e vão calmas, sem medo,
Por onde o embate é mais agudo,
Rompendo, em círculos suaves,
O turbilhão, que envolve tudo.
Em vão o raio os céus retalha;
Em vão ulula e brame o vento;
Em vão das ondas a batalha
Ferve, e marulhos roucos troam...
Bem alto, além, no firmamento,
As procelárias brancas voam...
Vento, ao teu julgo não as curvas!
Raio feroz, não as abrasas;
Não as tragais, vós, ondas turvas!
Por que são livres – gozo intenso! –
Por que são livres, e têm asas
Para voar no espaço imenso!
*
No mar do século dispersos,
Como as ardidas procelárias,
Sois vós também, meus pobres versos!
Aqui, debate-se a tormenta
Das paixões torpes e nefárias,
Que as almas débeis desalenta!
Triunfa o mal; sórdida, a inveja
Tramas combina, em sombras mudas;
Ri o cinismo; o ódio esbraveja.
Conspira, intrépida e serena,
A traição; o ósculo de Judas
As frontes puras envenena;
Os justos são vilmente expulsos;
Coroa os déspotas a plebe,
Dando aos grilhões da infâmia os pulsos;
Sangue fraterno se derrama,
Que, ávida, a terra aos sorvos bebe...
Sangue que por vingança clama!
Assim desonra a humana luta,
Com baixos cálculos abjetos,
A gente falsa e dissoluta!
Que enorme, infrene vozeria!...
Quem há-de ouvir, cantos diletos,
A vossa límpida harmonia?
Cantos da lira peregrina!
Voai! voai! no solo infenso
Do exílio, a podridão domina,
E ardem do inferno a peste e as brasas...
Voai! a vós o espaço imenso,
Por que também vós tendes asas!
Fonte: Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 5. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1898.
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