11 julho 2018

Solstício

Leda Maria Martins

Nem sempre
os subúrbios da noite
foram assim tão vastos
e os movimentos dos olhos
assim tão tênues.

Nem sempre nem sempre
os signos da dor
figuraram só brumas
e o sossobrar dos passos
acanharam-se tanto.

Os resíduos do verbo
encenam os tempos da memória
tessitura imaginária
de estranho e familiar desejo.

Nos subúrbios da noite
minha ilusão bordeja
e nas franjas do real
uma fala ébria se alucina
e chacina as alíneas do tempo.

Toda história é sempre
sua invenção.
Qualquer memória é sempre
um hiato do vazio.

E os subúrbios da noite
tecem-se no intervalo dos becos
nas relíquias e ruínas do futuro
nos edifícios da desmemória
que produzem sombras
sob as luminárias.

Fonte (penúltima estrofe): Pereira, E. A., org. 2010. Um tigre na floresta de signos. BH, Maza Edições. Poema publicado em livro em 1999 (versão algo diferente apareceu em 1995).

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