06 agosto 2018

Concertos duplos

Michael Talbot

A ideia de um concerto duplo com dois solistas de mesmo peso é tão antiga quanto o próprio concerto. Os primeiros concertos duplos, escritos por volta do final do século 17, foram simplesmente concerti a quattro (concertos para cordas em quatro partes, com contínuo) onde, vez por outra, as duas partes de violino eram assinaladas com ‘solo’. Em geral essas duas partes solistas eram acompanhadas apenas pelo contínuo, reproduzindo desta forma a estrutura de três vozes, com duas vozes elevadas e um baixo, já bastante familiar desde a sonata em trio e o duo de câmara.

Havia três maneiras tradicionais de relacionar entre si duas partes solistas: podiam-se combinar em um contraponto, onde uma imitava a outra; podia-se fazê-las evoluir em cadeias de terças ou sextas (um artifício eufônico, mas às vezes muito fácil); ou uma das partes podia-se limitar ao papel de um ‘complemento’, fornecendo notas harmônicas entre a voz aguda e o baixo. Todos os três métodos continuaram a ser usados no concerto duplo, mas Vivaldi acrescentou dois novos modos de tratamento ao repertório. Um foi fazer os dois instrumentos tocarem um depois do outro, ao invés de simultaneamente, mais como uma aria a due do que como um autêntico dueto – estilo este exemplificado na abertura do Largo do concerto duplo para flautas, RV 533. O outro foi combinar uma melodia cantante em um dos instrumentos, com figurações rápidas e elaboradas no outro, de modo a que ambos os músicos demonstrassem, por meios diversos, sua técnica. Esse tipo de tratamento adequava-se melhor aos instrumentos de cordas, mas podemos ouvir um pouco dessa técnica no primeiro movimento do Concerto para oboé e fagote, RV 545. Uma virtude da escrita de Vivaldi é a mudança frequente na relação entre os instrumentos solistas, evitando que a música se torne muito previsível.

É provável que todos os concertos reunidos neste disco (talvez à exceção do concerto duplo para trompa) tenham sido compostos para o Ospedale della Pietà, a instituição veneziana para órfãos, célebre por seu coro e orquestra inteiramente femininos, e pelo bem estruturado sistema de ensino musical dispensado aos seus membros. Vivaldi esteve associado à Pietà em diversas funções entre 1703 e 1740, particularmente como professor de violino e como compositor e diretor de sua música instrumental. La Pietà ficou especialmente famosa por haver cultivado o naipe das madeiras, que incluía flauta-doce, oboé, faluta, charamela, clarineta e fagote, e instrumentos de cordas mais raros como o bandolim e a viola inglese. Quando dos serviços acompanhados de música, as intérpretes ficavam ocultas da assistência, como era costume nos conventos italianos, de modo que a entrada de um instrumento solista não habitual poderia ter o valor de uma surpresa suplementar.

Ao que tudo indica a trompa não era tocada na Pietà no período que Vivaldi lá conviveu, mas como instrumento de corte par excellence, ela deve ter estado à sua disposição durante sua estada em Mântua (1718-20), onde foi Diretor Musical do governador. As óperas que ele lá escreveu contém certamente importantes partes de trompa. Uma característica particularmente atraente do concerto RV 539 é seu Larghetto, à maneira de uma siciliana, onde os motivos de chamada da trompa dos movimentos externos dão lugar a uma forma agradavelmente cantante.

Fonte: contracapa do LP Vivaldi: 6 Double concertos (Phonogram, 1983), com a Academia de St. Martin-in-the-Fields, sob regência de Neville Marriner. Concertos incluídos: Lado A, RV 563, RV 539 e RV 532; Lado B, RV 533, RV 536 e RV 545.

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