14 agosto 2018

O que restará da biologia do século 20?

Manfred Eigen

Vivemos em uma sociedade que se esquiva do risco. Chegará um momento em que, por esta razão, ela fechará as portas para a ciência e especialmente para a pesquisa básica. Mesmo agora não me surpreenderia ver um adesivo no vidro de trás de um carro com o dizer: “Pesquisa básica – não, muito obrigado!”, enquanto um gás cinza azulado emana do seu escapamento. O que alguns membros do movimento de proteção aos animais estão fazendo poder ser no mínimo rebaixado a esse nível. Os oponentes da energia nuclear estão felizes com a eletricidade que flui das tomadas de suas casas. Não podemos fazer nada de útil sem, simultaneamente, assumir riscos. Deixar de fazer qualquer coisa pode ser muito mais prejudicial [no] longo prazo. Precisamos aprender a pesar as probabilidades, e lemas como os do adesivo do carro não ajudam muito nesse sentido.
[...]

Ideologias não podem substituir a razão. Todos os grupos políticos que defendem a disciplina partidária deveriam dar-se conta disso. Eles, é claro, defendem ideais que têm um fundamento válido, chamem-se socialistas – quem não apoiaria uma consciência social? – ou partidos verdes – quem não gostaria de manter o ambiente saudável? – ou cristãos – quem desejaria um mundo sem compaixão ou caridade? Isto se aplica igualmente a todos aqueles que querem colocar a liberdade individual acima de tudo. Cada um desses motivos, elevado ao pedestal de doutrina, vai contra nosso bom senso, que, a propósito, envolve não apenas nosso intelecto mas também nosso sistema límbico, nossos sentimentos e emoções. Mesmo no futuro, não poderemos de maneira alguma delegar nossas decisões a um computador.

Um olhar de relance para o estado atual do mundo provavelmente nos deixará pessimistas. A primeira metade deste século confrontou-se com duas guerras terríveis. E que lições aprendemos? Nada irá mudar se não basearmos nossas decisões na razão, aceitando a humanidade como um imperativo moral. O futuro da humanidade não será decidido no nível genético. Precisamos de um sistema ético de ligação entre todas as pessoas. É aqui que a evolução, uma evolução do indivíduo para a humanidade, aguarda sua consumação.

Fonte: Eigen, M. 1997. In: Murphy, M. P. & O’Neill, L. A. J., orgs. “O que é vida?” 50 anos depois. SP, Editora da Unesp.

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