Nesta triste masmorra
Nesta triste masmorra,
de um semivivo corpo sepultura,
inda, Marília, adoro
a tua formosura.
Amor na minha idéia te retrata;
busca, extremoso, que eu assim resista
à dor imensa, que me cerca e mata.
Quando em meu mal pondero,
então mais vivamente te diviso:
vejo o teu rosto e escuto
a tua voz e riso.
Movo ligeiro para o vulto os passos;
eu beijo a tíbia luz em vez de face,
e aperto sobre o peito em vão os braços.
Conheço a ilusão minha;
a violência da mágoa não suporto;
foge-me a vista e caio,
não sei se vivo ou morto.
Enternece-se Amor de estrago tanto;
reclina-me no peito, e, com mão terna,
me limpa os olhos do salgado pranto.
Depois que represento
por lago espaço a imagem de um defunto,
movo os membros, suspiro,
e onde estou pergunto.
Conheço então que Amor me tem consigo;
ergo a cabeça, que inda mal sustento,
e com doente voz assim lhe digo:
– Se queres ser piedoso,
procura o sítio em que Marília mora,
pinta-lhe o meu estrago,
e vê, Amor, se chora.
Se lágrimas verter, se a dor a arrasta,
uma delas me traze sobre as penas,
e para alívio meu só isto basta.
Fonte: Gonzaga, T. A. 2000. Tomás Antônio Gonzaga, 4ª edição RJ, Agir. Poema publicado em livro em 1799.
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