10 setembro 2021

“Dane-se a saúde pública, eu quero é ganhar o meu dinheiro”

Felipe A. P. L. Costa [*].

Matérias publicadas ontem (9/9) na imprensa (e.g., aqui e aqui) dão conta de que o prefeito de BH, Alexandre Kalil (PSD), teria decidido liberar (de novo) a presença de público em partidas de futebol disputadas na capital mineira.

Segundo o mandatário, outros eventos deverão ser igualmente contemplados nos próximos dias. No caso do futebol, especificamente, a presença de torcedores não deve ultrapassar 30% da capacidade dos estádios. Alega-se ainda que todos os ‘protocolos sanitários’ recomendados pelas autoridades da área de saúde serão adotados.

A julgar pelo conteúdo da matéria ‘Kalil diz que contaminação entre torcedores de eventos-teste foi de 0,1%’, o prefeito teria justificado a sua decisão com base no seguinte raciocínio:

“Tivemos um resultado de 14 mil testes, em que a incidência – segundo os epidemiologistas e o Secretário de Saúde – foi de 0,1%. Isso nos deu uma certa tranquilidade, e nós vamos caminhar, dar passos, brigar, tentar, mas não vamos desistir. A obrigação do poder público é facilitar a vida de todos, e nós sabemos que o futebol é uma parte importante do lazer – como show, como tudo isso é importante para a cultura, para a diversão. É isso que nós temos que fazer.”

Ora, ora, ora.

ANALFABETISMO MATEMÁTICO?

Em primeiro lugar, cabe esclarecer que foram realizados dois ‘eventos-testes’ no Mineirão, dois jogos com a presença de público – Atlético e River Plate, em 18/8, e Cruzeiro x Confiança, em 20/8. O percentual citado pelo prefeito viria desses dois eventos.

Cabe ainda ressaltar que o prefeito de BH é um empresário e um sujeito oriundo do meio do futebol. Mas não parece ser nenhum analfabeto matemático. (Consta que ele teria cursado engenharia – ver aqui.)

Ora, por que então ele estaria a agir como tal? Sim, afinal a ‘justificativa’ reproduzida acima é inconsistente com a ideia de que a presença de público nos estádios (assim como em outros eventos semelhantes) já seria algo seguro.

Para encurtar a história, basta dizer o seguinte: os próprios números citados na matéria – e divulgados pelo próprio prefeito – entram em choque com a afirmativa de que a presença de público nos estádios já não representaria mais um risco à saúde pública.

Ora, se a taxa de propagação da doença nos dois eventos-teste ficou em 0,1%, já temos aí um motivo mais do que suficiente para não permitir a volta do público aos estádios.

Por quê?

Porque 0,1% é o valor atual da taxa de crescimento no número de novos casos na população em geral (ver a figura que acompanha este artigo) – para detalhes, ver o artigo ‘Covid-19 – As taxas de crescimento seguem a declinar e estão agora em 0,1023 (casos) e 0,1062 (mortes)’.

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FIGURA. Comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 11/7 e 5/9/2021. (Para resultados anteriores, ver aqui.) Note que alguns pares de pontos são coincidentes ou quase isso. As retas expressam a trajetória média de cada uma das taxas, além de projetar o comportamento esperado delas até o fim de setembro.

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DENTRO OU FORA DOS ESTÁDIOS: QUAL É A DIFERENÇA?

Veja: Se são adotadas 'medidas rigorosas de prevenção' – como anunciam os defensores da liberação – e, ainda assim, a propagação da doença permanece no mesmo patamar que se observa na população em geral, uma conclusão parece inevitável: as medidas não estão funcionando. Não a ponto de reduzir a taxa de propagação em relação ao valor que se observa no restante da população.

Trocando em miúdos, as aglomerações (ao mesmo por enquanto) servem apenas e tão somente para manter (ou até estimular) a propagação da doença.

Atropelando a racionalidade, o recado que o pessoal envolvido no negócio do futebol (cartolas, patrocinadores, mídia esportiva etc.) está a passar é muito ruim. Algo do tipo: “Dane-se a saúde pública, eu quero é ganhar o meu dinheiro!”

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NOTA.

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