Ai de ti, Amazônia
Gerôncio Albuquerque Rocha
Inglês de Souza, paraense, escreveu no início do século um conto primoroso (‘O baile do judeu’), explorando uma das lendas da região. Um dia, o homem decide dar uma festa em sua casa, à beira do rio Amazonas, e convida toda a gente da terra. O centro das atenções era a sua mulher, bem mais jovem do que ele, com “uns olhos pretos que haviam transtornado a cabeça de muita gente; e o que mais nela encantava era a faceirice com que sorria a todos, parecendo não conhecer maior prazer do que ser agradável a quem lhe falava”. No auge da festa, entra no salão um indivíduo esquisito, de chapéu desabado, que não deixava ver o rosto, e tira a bela mulher para dançar, provocando a curiosidade e surpresa de todos. É uma dança frenética, de nunca acabar. A mulher, de início alegre e animada, com o passar do tempo já exibia cansaço e desapontamento quando, já na sexta música repetida, a orquestra para bruscamente. Então, o sujeito “rompeu numa valsa vertiginosa, num verdadeiro turbilhão, a ponto de se não distinguirem quase os dois vultos que rodopiavam entrelaçados”, arrastando a dama pela porta afora e, chegando à ribanceira do rio, “atirou-se lá de cima com a moça imprudente e com ela se atufou nas águas”. Era um boto.
Hoje em dia, já não há lugar para lenda ou ficção. Mesmo assim, podemos imaginar que aquela mulher bonita é a Amazônia. E há um boto. Que não deixa ver o rosto e confunde a todos numa dança de nunca acabar.
Fonte: Rocha, G. A. 1996. In: Pavan, C., org. Uma estratégia latino-americana para a Amazônia, vol. 3. SP, MMA, Memorial da América Latina & Editora Unesp.
Fonte: Rocha, G. A. 1996. In: Pavan, C., org. Uma estratégia latino-americana para a Amazônia, vol. 3. SP, MMA, Memorial da América Latina & Editora Unesp.
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