21 agosto 2021

Ai de ti, Amazônia

Gerôncio Albuquerque Rocha

Inglês de Souza, paraense, escreveu no início do século um conto primoroso (‘O baile do judeu’), explorando uma das lendas da região. Um dia, o homem decide dar uma festa em sua casa, à beira do rio Amazonas, e convida toda a gente da terra. O centro das atenções era a sua mulher, bem mais jovem do que ele, com “uns olhos pretos que haviam transtornado a cabeça de muita gente; e o que mais nela encantava era a faceirice com que sorria a todos, parecendo não conhecer maior prazer do que ser agradável a quem lhe falava”. No auge da festa, entra no salão um indivíduo esquisito, de chapéu desabado, que não deixava ver o rosto, e tira a bela mulher para dançar, provocando a curiosidade e surpresa de todos. É uma dança frenética, de nunca acabar. A mulher, de início alegre e animada, com o passar do tempo já exibia cansaço e desapontamento quando, já na sexta música repetida, a orquestra para bruscamente. Então, o sujeito “rompeu numa valsa vertiginosa, num verdadeiro turbilhão, a ponto de se não distinguirem quase os dois vultos que rodopiavam entrelaçados”, arrastando a dama pela porta afora e, chegando à ribanceira do rio, “atirou-se lá de cima com a moça imprudente e com ela se atufou nas águas”. Era um boto.

Hoje em dia, já não há lugar para lenda ou ficção. Mesmo assim, podemos imaginar que aquela mulher bonita é a Amazônia. E há um boto. Que não deixa ver o rosto e confunde a todos numa dança de nunca acabar.

Fonte: Rocha, G. A. 1996. In: Pavan, C., org. Uma estratégia latino-americana para a Amazônia, vol. 3. SP, MMA, Memorial da América Latina & Editora Unesp.

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