Fazendo nada
José Geraldo
De estar à toa não me atrapalho;
Que coisa boa não ter trabalho...
Não me atrapalho de estar à toa;
Não ter trabalho, que coisa boa...
Fico cismando comigo mesmo,
Sem compromisso, sem hora certa,
Desocupado, vagando a esmo,
E nada pede que eu fique alerta...
Vem-me a vontade de fazer versos...
Pena a paineira não ’star florida...
E eu faço versos como quem brinca,
Que isso faz parte da minha vida...
Ficar à toa tem mil facetas...
Para que a todas vá-me entregando,
Me entrego a uma, me entrego a outra,
E assim vario de vez em quando...
Sem rumo certo, vou nos meus passos
E entre outras vozes pelo arvoredo,
Eu ouço os melros, ouço os sanhaços.
O Sol se esconde; são mil estilos,
São mil toadas que se entrelaçam,
Em que ouço os sapos, em que ouço os grilos.
Entre as estrelas, dois luminares
Vejo brilhando, muito serenos:
Pelo Oriente Júpiter brilha,
Pelo Ocidente quem brilha é Vênus...
Inda co’os olhos no firmamento,
Em descuidada contemplação,
Eu vejo a Lua quarto crescente
Dentro das presas do Escorpião...
Se durmo, durmo, se acordo, acordo,
Sem que me importe se é cedo ou tarde
E algumas vezes já estou de fora
Quando as estrelas inda cintilam,
Quando inda dormem os passarinhos,
Quando inda é tempo de ver a Aurora...
Recorro aos livros, escolho um deles,
Faço a leitura do meu agrado,
Leio o que quero, nem mais nem menos,
E deixo o livro se estou cansado...
Eu ando ausente de ver as horas,
O meu relógio pouco interessa,
Que o Sol me indica quanto me basta
E a vida mansa não me dá pressa...
Fazendo apenas o que dá gosto,
Eu sinto o voo do beija-flor
E esqueço as penas que há neste mundo,
Nos braços quentes do meu amor...
Não me perturba viver assim...
Seja bem cedo, de madrugada,
Seja de dia, seja de noite,
Que coisa boa que é fazer nada...
Fonte: Horta, A. B. 2016. Do que é feito o poeta. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em livro em 1981.
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