Balada do caixão
António Nobre
O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte:
Ponteia e cose, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mognos, debruados de veludo
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vai a aborrecer,
Fui-me lá, ontem: (era Entrudo,
Havia imenso que fazer!...)
– Olá, bom homem! quero um fato,
Tem que me sirva? – Vamos ver...
Olhou, mexeu na casa toda...
– Eis aqui um e bem barato.
– Está na moda? – Está na moda.
(Gostei e nem quis apreçá-lo:
Muito justinho, pouca roda...)
– Quando posso mandar buscá-lo?
– Ao pôr-do-sol. Vou dá-lo a ferro:
(Pôs-se o bom homem a aplainá-lo...)
Ó meus amigos! salvo-erro,
Juro-o pela alma, pelo céu!
Nenhum de vós, ao meu enterro,
Irá mais dândi, olhai! do que eu!
Fonte (dois últimos versos): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª ed. BH, Editora Bernardo Álvares. Publicado m livro em 1892.
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