Conhecimento
Humberto Maturana
A extensão daquilo que um organismo pode fazer é determinada pela sua organização e sua estrutura, e tudo o que um organismo pode fazer constitui seu domínio cognitivo. A maneira pela qual, nós, seres humanos, definimos conhecimento indica, implícita ou explicitamente, que aceitamos fazer uma pergunta em um dado domínio e, como uma resposta, esperamos uma ação, ou a descrição de uma ação, no mesmo domínio. O fato de geralmente exigirmos que os seres humanos se deem conta de seus conhecimentos – isto é, que eles sejam observadores – não muda o problema. Nosso domínio cognitivo é limitado e ilimitado da mesma maneira que nosso domínio da realidade é limitado e ilimitado. O conhecimento implica interações, e nós não podemos sair de [nosso domínio] de interações, que é fechado. Vivemos, portanto, em um domínio de conhecimento que é sujeito-dependente e uma realidade que é sujeito-dependente. Isso significa que se as perguntas ‘O que é o objeto do conhecimento?’ ou ‘O que é a realidade objetiva do objeto?’ devem ser respondidas por um observador absoluto, então elas são perguntas sem sentido, porque esse observador absoluto é intrinsicamente impossível em nosso domínio cognitivo. De fato, qualquer conhecimento de uma realidade transcendente absoluta é intrinsicamente impossível; se uma suposta realidade transcendente se tornasse acessível à descrição, então ela não seria transcendente, porque uma descrição sempre implica em interações e, portanto, revela apenas uma realidade sujeito-dependente. O máximo que nós podemos dizer, portanto, é que o observador gera uma descrição do domínio de realidade através de suas interações (incluindo interações com instrumentos e através de instrumentos), e que o observador pode descrever um sistema de sistemas (um sistema de consenso) que leva à emergência de sistemas que podem descrever: os observadores. Como uma consequência disso, uma vez que o domínio de descrições é fechado, o observador pode fazer a seguinte afirmação ontológica: a lógica de descrição é isomórfica à lógica da operação do sistema que descreve.
Aparentemente tudo o que permanece é o observador. Contudo o observador não existe sozinho, porque sua existência necessariamente implica no mínimo um outro ser como condição necessário para o estabelecimento do domínio consensual no qual ele existe como observador. Entretanto, o que é único para cada observador e que faz com que cada observador mantenha-se único é, por um lado, sua experiência, que permanece necessariamente isolada em seu fechamento operacional, e, por outro lado, a habilidade do observador de operar, através da consensualidade de segunda ordem, como se estivesse fora da situação na qual ele está, e, portanto, ser observador de sua circunstância como um observador.
Fonte: Maturana, H. 1997. A ontologia da realidade. BH, Editora UFMG.
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