Colapso das normas e suicídio anômico
John Rex
Por que é que devemos ter uma ciência especial chamada Sociologia? Por que não apenas uma ciência de comportamento humano em geral? Será que o comportamento dos grupos sociais não pode ser finalmente reduzido ao comportamento dos indivíduos que fazem parte desses grupos? As perguntas como estas podem bem ocorrer a qualquer um que se aproxime pela primeira vez da literatura sociológica, mas a maior parte dessa literatura não responde a todas elas. [...]
Em seu livro Rules of Sociological Method, Durkheim se propõe a distinguir o elemento especificamente social que o sociólogo tem obrigação de estudar. Mostra como, junto com os determinantes puramente individuais, biológicos e psicológicos do comportamento humano, existem outros que não surgem da constituição do indivíduo. [...]
[A] ordem social não pode ser explicada, como procuraram fazer os utilitários ingleses, em termos dos auto-interesses esclarecidos dos indivíduos. É preciso que haja, de certa forma, algo diferente das tendências puramente individuais que juntam as pessoas para a formação de todos sociais. Esse ‘algo’ é uma forma de solidariedade social. Nas sociedades simples essa forma se respalda nos sentimentos e ideias da coletividade. Nas sociedades avançadas já ele repousa na divisão do trabalho que não é apenas um expediente para aumentar a felicidade humana e sim um fato moral e social cujo fim é amalgamar a sociedade. [...]
Em Suicide, que ainda permanece como um modelo do uso específico de estatísticas, ele começa por nos mostrar que as estatísticas existentes não parecem apoiar qualquer hipótese que atribua o suicídio a causas individuais. O que conta é o número de suicídios e isso (que só varia lentamente) indica uma espécie de sociedade cuja própria estrutura leva uma minoria à autodestruição. Numa sociedade que tenha a primeira espécie de solidariedade social discutida em The Division of Labour, a tendência é para o ‘suicídio altruístico’, e numa sociedade da segunda espécie ele tende a ser ‘egoístico’. O que Durkheim fez com o suicídio pode ser feito com relação a padrões de casamento ou divórcio, por exemplo, ou de delinquência ou inquietação industrial. Contrastando as taxas estatísticas desses fenômenos nos diferentes grupos sociais, deveríamos poder descobrir os concomitantes estritamente sociais das variações nas taxas. [...]
Os utilitários acreditavam que a felicidade humana poderia ser uma contínua ampliação, em tamanho e quantidade, dos prazeres individuais. [...] Parecia a Durkheim que, muito longe de ser assim, a felicidade humana só poderia ser assegurada se os prazeres do indivíduo fossem limitados por normas socialmente aprovadas. Em todas as circunstâncias em que tais normas falhassem, o indivíduo se encontraria no estado de desorganização pessoal que ele chamada de ‘anomia’. [...]
Em Suicide vamos, outra vez, encontrar a possibilidade da anomia, pois junto com as formas de suicídio, que são, de certa forma, inerentes aos aspectos da ordem social, há uma outra espécie dele chamada ‘suicídio anômico’, que nasce do colapso das normas sociais. É aqui, então, que Durkheim reconhece que o colapso da ordem social é acompanhado por uma verdadeira desorganização da personalidade. O indivíduo que comete o suicídio anômico é um doente, e esse seu estado se deve ao colapso de sua sociedade.
Fonte; Raison, T., org. 1971 [1969]. Os precursores das ciências sociais. RJ, Zahar.
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