29 maio 2023

O imbróglio Petrobras vs. Ibama: Mais cientistas, menos economistas, menos engenheiros

F. Ponce de León.

1.

Já lá se vão praticamente cinco meses desde que o país evitou o precipício. Sim, escapamos do inferno, embora ainda haja tantos demônios soltos por aí a infernizar a vida dos brasileiros (em muitas cidades pelo país afora, em alguns estados e até mesmo dentro do governo federal).

Não há, evidentemente, qualquer termo de comparação possível com o governo anterior (2019-2022). O governo anterior era praticamente uma gangue de criminosos compulsivos. Para sustentar essa afirmação, não é necessário qualquer tipo de prova documental. É só ver ou ouvir as irracionalidades que foram (e ainda são) proferidas pelos cabos eleitorais dos governantes de extrema direita – e.g., comentaristas de política e economia da CNN, da Itatiaia ou da Jovem Pan.

Com essa turba vociferando o dia inteiro na cabeça dos ouvintes (e.g., taxistas), dia após dia, ano após ano, não há quem resista. Qualquer esterco é vendido como doce de leite Viçosa, qualquer absurdo é vendido como verdade: “Lula vai roubar a Petrobras”, “Lula vai implantar o homossexualismo”, “Lula vai fechar as igrejas e proibir a leitura da Bíblia” e por aí afora.

2.

Mas não podemos nem devemos fazer de conta que a conduta do novo governo já não é digna de ressalvas. Aliás, não só ressalvas. Em certos casos, o novo governo já fez por merecer até mesmo críticas mais duras. Não se assuste nem se engane: a população de um país é como a tripulação de um barco. Se o barco está a tombar e os seus ocupantes permanecem imóveis, o destino de todos pode ser o fundo do mar.

Veja, por exemplo, as infestações que prosperam no MEC. Veja quantas fundações e quantas gentes graúdas, incluindo gente associada a falcatruas financeiras (falências etc.), estão em busca de acesso privilegiado aos fundos federais. Na maciota, na malandragem. Veja, por exemplo, quantas empresas (editoras, faculdades particulares etc.) querem continuar lucrando alto a troco da comercialização dos produtos que vendem (apostilas, sistemas de ensino, cursos ou aulas virtuais etc.). Não hesito em dizer: São produtos (quase todos) de quinta categoria.

3.

Mas a grande barbeiragem dos últimos dias foi (e está a ser) o imbróglio Petrobras vs. Ibama. (Para comentários anteriores, ver aqui.) E aí, curiosamente, o cenário envolvendo os sítios noticiosos ficou meio que embaralhado.

Sítios que se dizem veículos progressistas e independentes assumiram posturas claramente abjetas. Alguns já haviam dado uma guinada por conta do projeto de lei que visa regulamentar as malditas redes sociais. O novo imbróglio serviu ao menos para isso: derrubou de vez o véu de alguns malandros. (Não vou, evidentemente, estragar esse artigo citando o nome de alguns desses sítios.)

Fato é que tem gente vociferando todos os dias. O rufar dos tambores fala em soberania, janela de oportunidade, desenvolvimento econômico, reindustrialização, erradicação da miséria e por aí afora. Tudo para defender a pobre coitada da Petrobras contra o monstro malvado do Ibama. Mais um pouco e essa turma estará no modo Jovem Pan de trabalhar: omitindo, distorcendo ou falseando as notícias. A rigor, já tem matéria por aí pintando engenheiros e economistas como sóbrios defensores da pátria, ao mesmo tempo em que trata técnicos ambientais como alienados entreguistas.

4.

Não é necessário ser um estudioso do assunto para perceber que o referido imbróglio é apenas a ponta de um imenso iceberg. Não vou me entender muito mais. Antes de finalizar, no entanto, gostaria de chamar a atenção do leitor para os seguintes aspectos:

(a) O pano de fundo da questão não é a localização geográfica do furo exploratório ou o histórico de segurança da empresa contra acidentes, o verdadeiro pano de fundo é a exploração e a queima de petróleo, em qualquer lugar do mundo;

(b) As petroleiras (aqui ou em qualquer outro país) continuarão a explorar as reservas conhecidas de petróleo, mas o uso comercial desse recurso não implica em queimá-lo;

(c) A expansão da economia (sobretudo em países tropicais) não carece da queima de combustíveis fósseis, lembrando que a queima de gás em países temperados visa, sobretudo, manter o conforto térmico no interior de recintos fechados; e

(d) A pressão da indústria automobilística sobre a queima de petróleo está a cair em vários países, seja porque a frota parou de crescer, seja porque outras fontes de energia estão a ser usadas para movimentar a frota (e.g., eletricidade). Nesse sentido, aliás, caberia a pergunta: Afinal, quando é que a Petrobras e a indústria automobilística brasileira vão começar a trabalhar para valer a favor da energia (economia) verde? Ou vão ficar só no gogó?

5.

No imbróglio entre Petrobras e Ibama, estou a defender a razão, não o pragmatismo. A razão e a boa política, a bem da verdade. E política com P maiúsculo. (Lembrando que o jogo político não é alimentado apenas e tão somente por interesses pessoais ou partidários. Não. Esse jogo é alimentado, sobretudo, pelos entrechoques entre grandes interesses econômicos.)

No fim das contas, sou de opinião que a Petrobras deveria melhorar o seu quadro técnico: mais cientistas, menos economistas, menos engenheiros. (Ouso dizer que outras petroleiras já adotaram ou estão a adotar procedimento semelhante. Mas que fique claro: Estou a pensar em cientistas de verdade, não em gente que ganhou um diploma depois de ter gravado um vídeo em rede social ou depois de ter trabalhado no boteco da esquina no fim de semana.)

Por fim, para ilustrar o meu ponto de vista sobre essa discussão [1], deixo dois exemplos (simples e acessíveis, sobretudo o primeiro) de como a ciência pode iluminar e ajustar a tecnologia – aqui um artigo (recentemente publicado neste GGN) e aqui um vídeo (áudio original em inglês, mas com legendas disponíveis em português).

*

NOTA.

[1] Estou a pensar em discussões do tipo: Razão vs. pragmatismo, planejamento vs. anarquia, sociedade vs. mercado. Pensando em um eventual prosseguimento da conversa, antecipo aqui duas ressalvas: (i) Ambientalistas são bem-vindos e devem participar da conversa, evidentemente, mas o contraponto ao discurso das petroleiras (quase sempre amparado apenas e tão somente em argumentos econômicos e tecnológicos) deve estar aninhado na ciência; e (ii) Ocorre que a comunidade científica brasileira é relativamente pequena e frágil. E costuma ter o telhado de vidro – em maior ou menor grau, algo semelhante ocorre em outros países. Veja: Muitos laboratórios de pesquisa espalhados pelo país são patrocinados pela Petrobras. Por exemplo, o luxo relativo em que vivam (ou ainda vivem, não sei) as engenharias da UFRJ era (ou ainda é) bancado em boa medida pela empresa. Nesse contexto, portanto, é compreensível que muita gente qualificada prefira não se expor.

* * *

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